Caetano entrevistando Haddad faz pensar no presidente que o Brasil deixou de ter

Caetano entrevistando Haddad faz pensar no presidente que o Brasil deixou de ter

Depois de ver Caetano Veloso entrevistando Fernando Haddad, um amigo me disse que estava surpreso com a erudição, com a inteligência, com os argumentos de Haddad. Ao amigo, que votou nulo na eleição de 2018, respondi com a franqueza da qual penso que os amigos não devem abrir mão: você fez a sua parte para que este homem não fosse presidente da República.

Fernando Haddad, lembrei a ele, é professor da USP. Graduado em Direito, é mestre em Economia e doutor em Filosofia. Não é pouco. Foi ministro da Educação dos governos de Lula e Dilma Rousseff e prefeito de São Paulo. Disputou a eleição presidencial de 2018 e foi derrotado por Jair Bolsonaro. Tem 59 anos e, agora em 2022, disputa o governo de São Paulo pelo PT.

Haddad é um acadêmico na política. Seu primeiro livro foi lançado há 30 anos. O mais recente, O Terceiro Excluído, acaba de sair pela editora Zahar. Caetano Veloso leu e tem Haddad como entrevistado na sua coluna no canal Mídia Ninja. A entrevista está disponível desde a última quinta-feira (14). Nessa coluna, Caetano já entrevistou Mangabeira Unger, Ciro Gomes, Manuela D’Ávila, o pastor Henrique Vieira e o ex-Pink Floyd Roger Waters.

Caetano Veloso diz que é um subintelectual de miolo mole, como foi classificado há muitos anos por José Guilherme Merquior. Mas a gente sabe que não é verdade. O que ele não tem é o método, a organização que o mundo acadêmico impõe a Fernando Haddad. Para entrevistar Haddad, Caetano não quis que a conversa fosse marcada pelo improviso. Preparou um roteiro de perguntas e fez questão de segui-lo.

Ainda não li o livro de Haddad e, se tivesse lido, não me atreveria a discuti-lo. Da entrevista, vou destacar algo. Caetano – e não só ele – fala sempre sobre a necessidade que o Brasil tem de fazer uma segunda abolição. A essa necessidade, Haddad acrescenta outra: o Brasil precisa de uma republicanização. Nova abolição e republicanização, temas que estão numa conversa de tom acadêmico, mas que apontam para as nossas práticas políticas.

Outro aspecto da entrevista que chamou a minha atenção. Quando Caetano pergunta sobre o peso que o livro pode ter no atual cenário político brasileiro, Haddad dá uma resposta que pode surpreender por vir de um homem de esquerda, ainda mais de um político. Ele diz que a esquerda está teoricamente desarmada para enfrentar os problemas que estão colocados pelo mundo contemporâneo.

Cito ainda, da entrevista, o instante em que Haddad fala sobre o seu encontro com Noam Chomsky, durante a campanha de 2018, e o quanto esse encontro foi importante na concepção do livro. Destaco também a síntese que, segundo Haddad, Caetano faz do que está em jogo, ao pinçar, do texto, dois neologismos – alienizar e revoluir –  que resumem a proposta de dialetizar a antropologia.

Faz tempo que considero Fernando Haddad um dos melhores quadros da política brasileira. Um homem de esquerda com a serenidade e a sabedoria de que tanto a esquerda necessita. Uma pena que não tenha sido eleito em 2018. Os brasileiros trocaram um professor por Jair Bolsonaro. A conversa de Caetano com Haddad deixa muitas questões para a gente pensar. E sugere a leitura do livro.