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SILVIO OSIAS

Isto é o povo! Um imbecil! Um analfabeto! Um despolitizado!

Publicado em 15/08/2022 às 10:38


                                        
                                            Isto é o povo! Um imbecil! Um analfabeto! Um despolitizado!
Foto: Reprodução

Sábado passado, na Fundação Casa de José Américo, durante o relançamento do livro Cinema Por Escrito, de Antônio Barreto Neto, lembrei muito de Glauber Rocha. Lembrei porque Glauber está em dois textos do livro com as críticas de Barreto. Também porque seu cinema permanece assustadoramente atual nesse Brasil em transe de 2022. Ainda porque ele não deve ser esquecido nunca nesse país que tanto o inquietou.

Isto é o povo! Um imbecil! Um analfabeto! Um despolitizado! A fala do personagem de Jardel Filho ecoa há 55 anos. Para mim, o nosso maior e mais instigante filme político é Terra em Transe. O Brasil continua muito parecido com o Eldorado de Glauber Rocha. Unidos em Glauber, o gênio do construtor e o mito do demolidor gestaram um filme que fala das nossas questões cruciais. Falava em 1967. Continua falando agora, mais de meio século depois. Esquerda, direita, populismo, messianismo, o papel dos intelectuais, o povo, a desigualdade, o autoritarismo, o nosso destino enquanto Nação.

Terra em Transe, se tudo isso fosse pouco, ainda é absolutamente devastador como delírio estético. A questão é que, para muitos, o filme de Glauber Rocha é tosco. Hermético. Incompreensível. Quase ninguém quer enfrentá-lo. Mas o problema pode ser o empobrecimento intelectual das nossas plateias. A ausência de uma crítica como a que se tinha na época em que o filme foi lançado. A falta de um ambiente propício a esse tipo de cinema.

Lembro que, em 1981, no dia seguinte à morte de Glauber, o Jornal do Brasil circulou com textos assinados pelos críticos Ely Azeredo e José Carlos Avellar. Um deles mencionava o gênio do construtor, o cineasta que levou o cinema brasileiro a obter grande prestígio internacional com os filmes que realizou, sobretudo Deus e o Diabo na Terra do Sol, Terra em Transe e O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro. O outro artigo falava do mito do demolidor, a figura de opiniões polêmicas e discurso muitas vezes incompreendido, principalmente quando enxergava nos militares que tomaram o poder em 1964 um caminho que levaria o país à redemocratização.

Lembro das duas imagens registradas por Azeredo e Avellar porque temo que, ao longo dos anos, o mito do demolidor tenha se sobreposto ao gênio do construtor. O que, se é verdade, representa uma profunda injustiça com um cineasta do tamanho de Glauber. O homem que fez Deus e o Diabo na Terra do Sol com 25 anos e estarreceu os europeus com seu filme não pode ser lembrado só pelas falas desesperadas dos últimos anos de sua vida curta. O realizador que retratou o Brasil no país imaginário de Terra em Transe não pode ser avaliado como se ainda nos guiássemos só pelos confrontos entre esquerda e direita.

Prefiro a percepção que, de longe, Martin Scorsese tem do significado de Glauber Rocha. Cineasta e pensador do cinema, o americano de origem italiana vê e revê os filmes de Glauber e os apresenta aos seus atores. É um contraponto  aos cinéfilos e homens de cinema que, entre nós, detratam Glauber, subdimensionam a sua obra e reforçam a tese de que, nele, o mito do demolidor é mesmo muito maior do que o gênio do construtor.

Melhor fundir os dois, enxergando em Glauber um cinema que nasceu da sua profunda inquietação criativa e da combinação desses elementos. O construtor e o demolidor, ambos movidos por uma grande ambição e um extraordinário desejo. Nas imagens e nos sons que trazem Ford, Kurosawa e Villa-Lobos para o Sertão da Bahia em Deus e o Diabo na Terra do Sol. Nas questões cruciais ainda não superadas pelo Brasil nessas mais de cinco décadas que nos separam de Terra em Transe. No delírio de A Idade da Terra, síntese do seu desespero e também da sua ousadia estética. A ambição e o desejo de Glauber falam do cinema brasileiro e do nosso destino como Nação

Imagem ilustrativa da imagem Isto é o povo! Um imbecil! Um analfabeto! Um despolitizado!

Silvio Osias

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