SILVIO OSIAS
John Lennon, 85 anos, se...
Aniversário do músico seria nesta quinta-feira, nove de outubro de 2025.
Publicado em 09/10/2025 às 7:20

O tempo passou. Se estivesse vivo, John Lennon seria um velho senhor, juntando os recortes da trajetória com os Beatles e com Yoko Ono, numa casa à beira do mar da Irlanda – como ele sonhou certa vez. Ou estaria no apartamento do Dakota, em Nova York, compondo e gravando canções.
John Lennon se foi no final daquela noite trágica de oito de dezembro de 1980. Tinha 40 anos e acabara de gravar um disco no qual alternava as suas novas composições com as de Yoko. Era a dupla fantasia do casal que, uma década antes, usara o leito nupcial para pedir cantando que o mundo desse uma chance à paz.
Alguém já disse que os Beatles foram a maior invenção de John Lennon. Mais do que as canções que compôs, mais do que a militância política que assumiu a partir do final da década de 1960, mais do que a mistura de rock e vanguarda que promoveu.
O grupo foi o caminho encontrado para canalizar as dores da infância e da adolescência, traduzidas mais tarde em Mother, canção desesperada, de melodia repetitiva e letra concisa, sinos sombrios na abertura, arranjo instrumental mínimo e gritos primais.
Os Beatles surgiram no final dos anos 1950, comandados por Lennon. Ao seu lado, Paul McCartney e George Harrison, como ele, garotos de Liverpool apaixonados pelo rock’n’ roll que os americanos produziram a partir do surgimento de Elvis Presley. Ringo Starr viria em 1962, quando o quarteto estava prestes a gravar o primeiro disco.
Na época, era difícil imaginar que os Beatles dos primeiros registros fonográficos se transformariam no maior grupo da história do rock e num fenômeno de influência gigantesca sobre a música popular produzida em seu tempo e também sobre o comportamento do público jovem que consumiu as suas canções.
A despeito desta dificuldade, Lennon intuiu que o rock seria o que os Beatles fizessem dele. E foi. Como confirmam a permanência do seu repertório na memória afetiva de milhões de pessoas e a lembrança ainda muito nítida do que eles representaram.
John Lennon não foi o melhor músico entre os quatro Beatles. Este título é de Paul McCartney. Mas foi a personalidade mais importante do quarteto.
Começou como um bad boy que cantava rocks primitivos. Mais tarde, influenciado por Bob Dylan, passou a escrever letras que falavam de suas dores.
Aos 25 anos, compôs In My Life como se fosse um homem velho enxergando de longe os amores, os amigos e os lugares que marcam uma vida.
Rock, política, religião, drogas, arte de vanguarda – há tudo isto no artista que amadureceu rapidamente, se compararmos o início da carreira dos Beatles com a fase final, e que encontrou em Yoko Ono a parceira certa para levá-lo a fazer o que poucos fizeram no mundo do rock.
Strawberry Fields Forever, de 1966/67, que compôs sozinho, sem a ajuda de Paul McCartney, flagra os Beatles no ponto alto da sua criatividade. A melodia enigmática, a letra escrita a partir de uma lembrança da infância em Liverpool, o arranjo deslumbrante de George Martin – ali está John Lennon em seu melhor com os Beatles.
Mais tarde, John Lennon/Plastic Ono Band, de 1970, surge como um dos grandes discos do rock. A crueza das melodias, a concisão das letras, os arranjos mínimos, o grito primal transportado do divã de Arthur Janov para o estúdio, os temas cruciais que afligiam o artista e sua geração.
Após a dissolução dos Beatles, ninguém (nem o George de All Things Must Pass nem o Paul de Band on the Run, muito menos Ringo) fez nada parecido.
E ainda havia God, em cuja letra negava tudo e todos. A religião, os mitos, os heróis, os ídolos. Elvis, Dylan, Beatles – ninguém é poupado.
Na parte final da canção, John pronuncia a frase que se tornaria emblemática para uma geração: o sonho acabou. As ideias generosas que marcaram a década de 1960 não seriam postas em prática num mundo pragmático e desigual.
Os Beatles ficaram juntos por apenas sete anos, de 1962 a 1969. A carreira solo de John Lennon durou somente cinco anos, de 1970 a 1975. Os cinco anos que se seguiram foram de reclusão e silêncio.
A volta, no disco Double Fantasy, foi brutalmente interrompida no final da noite de oito de dezembro de 1980, com o assassinato do artista em frente ao edifício Dakota, em Nova York. Ao reouvi-lo, juntamos os recortes da sua trajetória. Como ele desejava fazer na velhice. Em frente ao mar da Irlanda.
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Esse texto não é inédito. Foi escrito em 2010, nos 70 anos de John Lennon, e atualizado ao longo desses 15 anos. Reposto porque, se estivesse vivo, John Lennon faria 85 anos nesta quinta-feira, nove de outubro de 2025, o dia em que Sean, o único filho dele com Yoko, faz 50 anos. É também a data do lançamento do box Power to the People, que se debruça sobre os trabalhos de John e Yoko quando foram morar em Nova York.
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