Artigo: Lucro Presumido no Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas, pode o molho custar mais que a carne?

Advogado André B. Coelho de Miranda Freire analisa as variações inclusas no tributo

Foto: Marcello Casal/Agência Brasil 

Artigo por André B. Coelho de Miranda Freire, advogado Tributarista, mestre em Direito Tributário (USP) e diretor fundador do Instituto de Pesquisas Fiscais.

Em termos simples, a renda das pessoas jurídicas corresponde o lucro que auferem nas suas atividades. No Brasil, esse lucro é tributado em regra a cerca de 34%, podendo superar esse patamar no caso de instituições financeiras.

O leitor deverá imaginar que calcular o lucro empresarial nem sempre será tarefa fácil, por depender de contabilidade organizada que indique, pelo menos, as receitas, os custos, as despesas.

O Brasil, nesse aspecto, é bastante peculiar em relação a todo o mundo, pois permite à maior parte das empresas que faturem até 78 milhões de reais anuais apurar sua tributação sobre a renda através da sistemática do lucro presumido.

Isso significa que, para fins tributários, não será necessário enfrentar complexas operações contábeis que indiquem o lucro dito real. Em lugar disso, para os diversos grupos de atividades, a lei estabelece percentuais presumidos de lucro, a serem aplicados sobre a receita bruta.

A título de exemplo, a regra geral da prestação de serviços é o percentual de presunção de 32%, pelo que, a cada 100 reais faturados com prestação de serviços, considera a lei que 32 reais apenas configuram lucro. No caso da venda de mercadorias, tem-se o percentual de 8%, pelo que, de cada 100 reais faturados no comércio, entende a lei que 92 se prestam a cobrir custos das mercadorias revendidas e diversas despesas (funcionários, aluguel, energia elétrica etc.) e apenas 8 revertem para o lucro.

O Fisco Federal não raro sustenta que a referida sistemática de apuração é um benefício fiscal. Na sua lógica, toda vez que a margem de lucro efetiva fosse maior que a presumida pela lei, haveria uma economia tributária e, assim, um benefício fiscal.

Reflexo desse entendimento é que, na proposta de reforma do imposto de renda de 2021, havia previsões específicas que impediam determinadas empresas de optarem pelo lucro presumido.

No entanto, não se podem esquecer as inúmeras vantagens desse modo tupiniquim de apuração do lucro e atentar apenas para a situação das empresas que se beneficiam tributariamente com a sistemática.

Há primeiramente uma brutal simplificação, pois, conhecida a receita da empresa, calcula-se de pronto o lucro, o que beneficia o contribuinte, com a redução de custos de conformidade, bem como o Fisco, que não precisa analisar nada além da receita. Tornam-se irrelevantes as intermináveis discussões sobre a legitimidade das despesas empresariais, que reduziriam o lucro tributável. Essa vantagem é tamanha, que não são raros os casos de empresas que preferem pagar mais imposto de renda do que pagaria pelo lucro real apenas para não se submeterem a todas as exigências da forma mais complexa de apuração.

Em segundo lugar, isso traz um forte estímulo à regularização fiscal, diante da singeleza da apuração e da potencial economia gerada para as empresas que ostentam margem de lucro mais folgada que a prevista na lei, como costuma ocorrer especialmente no âmbito da prestação de serviços, mormente no caso dos serviços profissionais. Embora no caso individual de certo contribuinte, possa o Fisco perder arrecadação em razão disso, não se pode desconsiderar que o estímulo à formalização tributária aumenta a arrecadação.

Em terceiro lugar, o fim ou a restrição do acesso ao lucro presumido não é a única solução para combater eventuais distorções que cause. Uma via muito mais adequada seria, e.g., a revisão periódica dos percentuais de presunção e sua especificação por grupos menores de atividades, para que os percentuais legais sejam mais próximos das margens de mercado.

Em suma, conquanto possa haver distorções pontuais causadas pela sistemática do lucro presumido, deve-se ter muita cautela com sua restrição e eventual abolição (essa última que nem sequer chega a ser cogitada).

Não podem ser desconsiderada toda economia de tempo e de dinheiro que esse modo de apuração proporciona aos contribuintes e ao Fisco, nem tampouco o impacto sobre a formalização e, consequentemente, sobre a arrecadação. Não se pode optar por um modelo que os contribuintes não podem cumprir nem cujo cumprimento o Fisco está impossibilitado de forçar.

O Fisco sabe bem disso. Tanto é que a lógica do lucro presumido foi replicada no SIMPLES Nacional e até nas regras brasileiras de preços de transferência. A lógica, ao fim e ao cabo é econômica e irrefutável: o molho não pode custar mais que a carne.