“Ouvindo Chico, somos obrigados a crer no povo brasileiro”

Caetano Veloso, 75 anos.

Chico Buarque, 73 anos.

Caetano, esteticamente mais à esquerda.

Chico, ideologicamente mais à esquerda.

Caetano, em permanente flerte com as rupturas estéticas.

Chico, sempre mais conectado aos modos clássicos da canção popular do Brasil.

Caetano e Chico, dois gigantes da música popular brasileira.

Na era dos festivais, os tropicalistas não gostavam do bom mocismo de Chico.

E os fãs de Chico não assimilavam a retomada da linha evolutiva da MPB proposta pelo Tropicalismo.

Os dois trataram de calar as “torcidas” em 1972, quando se juntaram para um show histórico no Teatro Castro Alves, em Salvador.

O eu quero que você venha comigo, de Caetano, nunca mais foi desassociado do todo dia ela faz tudo sempre igual, de Chico.

"Ouvindo Chico, somos obrigados a crer no povo brasileiro"

Aos 75 anos, Caetano Veloso está na estrada com os filhos.

Aos 73 anos, Chico Buarque está de volta aos palcos após uma ausência de cinco anos.

"Ouvindo Chico, somos obrigados a crer no povo brasileiro"

Ali parece que o Brasil chega finalmente a merecer a bossa nova

Caetano foi ver o show de Chico no Rio e usou as redes sociais para publicar esse texto que transcrevo:

Fiquei extasiado, não somente porque estávamos diante de um artista imenso que nos deixa esperando anos para vê-lo atuar; nem apenas porque os lindos versos de “Caravanas” trazem “suburbanos como muçulmanos do Jacarezinho a caminho do Jardim de Alá”; nem só porque o cenário de Hélio Eichbauer, com esfera armilar esboçando assimetrias a partir do sistema concêntrico, estende suas cordas de assinatura a uma complexidade de rede de ondas, movimento e poesia; nem mesmo porque “Massarandupió” traz a rica música que habita o coração de Chico Brown. Ou porque o repertório contenha sucessos cantados pela multidão e que estes sejam todos posteriores aos clássicos que fincaram Chico no lugar que ocupa em nossas vidas: não há “Quem te viu, quem te vê”, “Carolina”, “Januária”, “Samba do grande amor” ou “Noite dos mascarados” – nem pensar em “Pedro Pedreiro” ou “Olê olá”: para um cara da geração de Chico, o repertório é todo de coisas novas, a maioria datando de quando ele entortou seus caminhos harmônico-melódicos, toreou suas rimas (justo quando um idiota da imprensa disse que não ouviria seu novo disco por já saber o que iria encontrar: era um erro perfeito). É uma exuberância. Os arranjos de Luiz Cláudio levam ao máximo a elegância musical que ele sempre apresenta. Mas a força vem de como tudo isso foi estruturado dentro da concepção bossa nova. Um homem de voz pequena e anasalada domina o universo, rodeado por sons econômicos e profundos, equilibrados e misteriosos. Da forma dos arranjos (que contam com o canto perfeito de Bia Paes Leme) à política de volumes da amplificação (finalmente um show que não rompe nossos tímpanos toma toda a grande sala de difícil acústica!), tudo funciona para expor a realização da bossa nova, do seu essencial. É a vitória da bossa nova verdadeira, sua vingança, sua definitiva consagração, desmentindo a sensação de que o Brasil não se respeita: ao contrário, ali parece que o Brasil chega finalmente a merecer a bossa nova. E nada disso seria possível sem a lealdade de Chico à prosódia irretocável, à rima que vem com a ideia, à melodia que homenageia a tradição e amadurece para quase se desmelodizar. Ouvindo Chico assim, somos obrigados a crer no povo brasileiro.