“Que tragédia é essa que cai sobre todos nós?”

Ou então cada paisano e cada capataz
Com sua burrice fará jorrar sangue demais
Nos pantanais, nas cidades
Caatingas e nos gerais

Caetano Veloso – Podres Poderes

Recebo em casa três estudantes de jornalismo.

Duas garotas e um garoto na faixa dos 20 anos.

Vieram conversar sobre Archidy Picado (o pai), avô de uma das meninas. Será personagem de um trabalho acadêmico.

Gosto imensamente dessas conversas. Põem a gente em contato com a garotada, revelam um pouco do que pensam os jovens que estão na universidade, os profissionais de amanhã.

Perguntam sobre Archidy.

Respondo sobre Archidy, com quem convivi muito de perto.

Mas amplio a conversa. Acabo usando o personagem para falar do tempo em que ele viveu e tento puxar o papo para os dias atuais.

Archidy era um intelectual de direita.

Isso parece surpreender as meninas e o menino que me entrevistam.

É bom que surpreenda. É positivo. Traz para o presente a história de um homem que morreu há mais de 30 anos.

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O encontro foi longo.

Passou por Bolsonaro, por Lula.

Passou por Caetano, por Glauber (uma das meninas disse que viu Terra em Transe e Deus e o Diabo na Terra do Sol).

Numa conversa assim, misturo otimismo com pessimismo.

O pessimismo dos 60 anos que completo em junho com o otimismo de jovens que falam em resistência.

Que resistência?

Como será esse resistência?

De algum modo, Lula falou sobre ela na entrevista a Florestan Fernandes e Mônica Bergamo.

Mas Lula falou também de como fazem falta ao Brasil homens como Dr. Ulysses, Brizola e Arraes. De como o nosso parlamento empobreceu. No fundo, falou sobre como é difícil reorganizar o campo democrático – ou progressista, como queiram.

As opiniões de Lula, a despeito dos erros que possa ter cometido, nos fazem, com alguma nostalgia, pensar na política. Não nessa velha política que agora chamam de nova. Mas na política como uma atividade da qual o homem não pode prescindir.

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Como as garotas e o garoto que vieram à minha casa se veem nesse cenário?

Que perspectivas profissionais terão daqui a alguns anos?

Que país os espera depois desse furacão de extrema direita que atinge o Brasil?

Essas conversas, a um só tempo, me alegram e me entristecem.

Jovens estudantes passam por mim, vão embora com seus sonhos, e eu fico me perguntando:

Quem, afinal, nos salvará dessas trevas em que fomos atirados?

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“Que tragédia é essa que cai sobre todos nós?” é um verso de Promessas do Sol, canção de Milton Nascimento e Fernando Brant. Está no álbum Geraes, de 1976.