JP e CG registram 50 casos de meninas vítimas de violência doméstica

Números são referentes ao ano passado. Segundo delegada, os casos de violência contra  adolescentes têm aumentado.

Uma carta com pedidos de desculpa pelas rebeldias e os vários ‘eu te amo’ intercalados entre uma frase e outra é lida quase todos os dias pela dona de casa Geanne Costa, a qual a filha, Maria Beatriz Souza Santana, morta a tiros dentro da escola onde estudava, remeteu a ela sem data definida, mas na esperança de que o documento fosse lido. No álbum de fotografias, as imagens de uma criança alegre, tida entre os colegas como a mais sorridente do grupo, mas a simpatia que a muitos agradava foi motivo de revolta para um adolescente que se dizia apaixonado pela menina. Até que em 21 de novembro de 2014, os sonhos de Bia, de 14 anos, foram encerrados pela desculpa de ‘um amor não correspondido’.

Esta é a principal motivação, segundo a Polícia Civil, para a violência doméstica e o assassinato de mulheres, problemas lembrados nas mobilizações deste “8 de Março”, Dia Internacional da Mulher. Esse tipo de ocorrência tem se destacado entre as vítimas adolescentes, que são agredidas por namorados, companheiros ou outras pessoas de convivência comum. Conforme dados das Delegacias de Repressão aos Crimes contra a Infância e Juventude de João Pessoa e de Campina Grande foram 50 inquéritos instaurados em 2015. Este ano, somente entre janeiro e fevereiro, o número já chega a sete ocorrências, segundo a Polícia Civil. 

“Infelizmente, o número de adolescentes do sexo feminino vítimas de violência doméstica tem aumentado. São meninas que se envolvem muito cedo com um parceiro e acabam sendo agredidas, ameaçadas”, disse a delegada de Repressão aos Crimes contra a Infância e Juventude da capital, Graça Morais.

No caso de Maria Beatriz, a mãe revelou que a menina não correspondia às investidas do adolescente que atirou contra ela e que, por isso, sofria ameaças. “Depois do ocorrido, as colegas  disseram que ele tinha chamado ela diversas vezes para conversar e que queria ficar com ela, mas Bia não queria. Uma amiga dela me disse que ele chegou a ameaçar ela, dizendo que qualquer dia iria ‘pegar ela’, que ela ‘iria ver’”, contou Geanne Costa, que mora no bairro de Mandacaru, em João Pessoa.

“Lembro dela todos os dias, quando acordo, quando chamo os irmãos dela para almoçar. Esse rapaz tirou a vida dela e um pedaço de mim, da nossa família”, disse a dona de casa. O mesmo vazio sentido na casa de Maria Beatriz se repete na família de Sandra Maria da Silva, que também foi morta a tiros, aos 14 anos, em 6 de dezembro do ano passado. As investigações policiais apontaram à época que o principal autor dos disparos seria o ex-namorado da vítima, que estava insatisfeito com o fim do relacionamento.

Ameaça psicológica  também é violência

“Ela contou para uma amiga que ele fazia ameaças, que se tivesse de fazer algum mal a ela, seria na entrada ou na saída da escola, porque ela não tinha nenhum contato com ele”, revelou Geanne Costa, mãe de Maria Beatriz. As ameaças psicológicas que a garota confidenciou a uma amiga são um dos critérios inseridos na lei 11.340/2006, a “Lei Maria da Penha”, que configura a violência doméstica e é também um comportamento típico do agressor, conforme explicou a delegada de Repressão aos Crimes contra a Infância e Juventude da capital, Joana D’Arc Aires.

“Geralmente as agressões acontecem por conta de ciúme, falta de responsabilidade de um dos dois e até envolvimento com drogas. Sempre começa pela violência psicológica e depois partem para a agressão física. Quando o agressor é adolescente, ele também responderá pela Lei Maria da Penha”, detalhou a delegada.

Quanto às vítimas, na maioria dos casos que chegam à delegacia especializada tratam-se de adolescentes, com a média de idade de 15 anos, e que iniciam uma vida conjugal de forma prematura. “A maioria das meninas que chegam aqui, muitas vezes acompanhadas dos pais, começaram a namorar muito cedo, logo tornam-se mães e nem ela, nem os parceiros, têm maturidade suficiente. Muitas vezes os relacionamentos acabam e os companheiros insatisfeitos com isso cometem as agressões”, disse a delegada, revelando ainda que, assim como as mulheres adultas que são vítimas de violência, as adolescentes também têm direito a medidas protetivas.

3 Perguntas

Para  a psicóloga Marcela Clementino

JP: – Que traumas psíquicos uma adolescente que sofre violência doméstica que parta do namorado e/ou companheiro pode ter futuramente?
As agressões físicas, psicológicas ou sexuais vindas do parceiro íntimo são reconhecidas como a forma mais comum de violência contra a mulher. Quando iniciado na adolescência, os traumas psíquicos podem perdurar até a vida adulta. Esse adolescente futuramente pode apresentar receio de abrir-se a novas relações, ter pensamentos de culpa pelo o que ocorreu em sua vida, insegurança, dependência emocional e medo de ficar sozinho(a).

JP:- E quando as agressões partem de dentro de casa, no caso de pai para filho, entre irmãos e outros parentes?
Adolescentes que sofrem violência doméstica que partem do ambiente familiar estão mais propícios a não cumprirem com as normas sociais, ter baixa autoestima e menor resiliência (capacidade de superar as dificuldades apresentadas pela vida). Esse tipo de violência é capaz de fragilizar a posição do adolescente e dos futuros adultos no mundo.

JP: – Que orientações os pais devem dar aos filhos para que conheçam melhor o(a) companheiro(a) e se previnam contra agressões, sejam psicológicos ou físicas?
Os adolescentes muitas vezes podem ter medo ou vergonha de conversar abertamente com os pais ou algum familiar. No caso de violência do parceiro, a omissão desse adolescente pode surgir por medo de represália, constrangimento ou sentimento de culpa. A família deve estar sempre atenta à frequentes mudanças de humor, problemas com a alimentação, perceber se há manchas no corpo que possam sinalizar agressão física ou isolamento deste adolescente com a família ou amigos.