Como mais de 10 toneladas de alimentos pagas com dinheiro público estragaram em cooperativa de João Pessoa?

Os alimentos foram apreendidos pela Vigilância Sanitária de João Pessoa, na Empasa, no Cristo, nesta quarta-feira (6), durante a Operação 5764, que apura supostos desvios de recursos destinados à alimentação de famílias carentes.

Foto: divulgação/Vigilância Sanitária de JP

Com tanta gente passando fome, tantas pessoas pedindo comida na porta de supermercados, com uma insegurança alimentar tão larga, uma pergunta é inevitável: como mais de 10 toneladas de alimentos pagas com dinheiro público estragaram dentro de galpões de uma cooperativa em João Pessoa?

Os alimentos foram apreendidos pela Vigilância Sanitária de João Pessoa, na Empasa, no Cristo, nesta quarta-feira (6), durante a Operação 5764, que apura supostos desvios de recursos destinados à alimentação de famílias carentes. A ação era para apreender documentos, mas os investigadores se depararam com o descaso.

Nós verificamos essa situação, destes gêneros alimentícios colocados dentro de uma câmara frigorífica, peixes com polpas de fruta, macaxeira, e a gente teve que acionar a vigilância sanitária para fazer a interdição do ambiente”, disse o promotor de Justiça Rafael Linhares.

São muitas questões que precisam ser respondidas. Por que a distribuição não foi feita? Quem pagou pelos produtos? Estado e municípios? Ninguém cobrou a entrega dos produtos? Nenhum órgão de Vigilância Sanitária, municipal ou estadual, fiscalizou?

Onde estavam os fiscais de contrato que deveriam acompanhar a execução do serviço prestado e a venda feita com as ou a cooperativa que forneceu o produto?

Segundo os investigadores, havia produto vencidos desde de 2020 e agora terão que ser incinerados.

Como foram surpreendidos com o cenário de descaso, os responsáveis pela Operação ainda não têm essas respostas. Mas alguém precisa colocar luz no absurdo.

Quantidade estragada

Foram apreendidas cerca de cinco toneladas de batata doce, seis toneladas de peixe e uma tonelada de macaxeira, além de polpas de frutas.

Os alimentos estavam vencidos e estragados, sem falar a forma de armazenamento, tudo errado. Alimentos com validade de setembro de 2020, uma coisa inacreditável. Estamos recolhendo todos os alimentos, notificando e pesando cada um e fazendo registro fotográfico. Em seguida eles vão ser levados para o aterro sanitário onde serão incinerados”, disse Alline Grisi, diretora de vigilância sanitária de João Pessoa.

Operação 5764

Durante a operação, foram cumpridos dois mandados de prisão e nove de busca e apreensão.

Segundo a Controladoria Geral da União (CGU), foram presos o presidente da União Nacional das Cooperativas da Agricultura Familiar e Economia Solidária na Paraíba (UNICAFES/PB), Jaciel Franklin, e o ex-gerente executivo das Casas de Economia Solidária, Marcelo Eleutério de Melo.

Mais de 6 toneladas de peixes estragados foram apreendidos em operação na Paraíba — Foto: Divulgação/Vigilância Sanitária de João Pessoa
Peixes estragados na Empasa. Foto: Divulgação

O que dizem os investigados

A defesa de Jaciel Franklin informou que todo o procedimento licitatório ocorreu dentro da normalidade, pelo menos até o momento da entrega dos produtos. “Se depois houve irregularidade, não cabe a ele”, informou o advogado Mozart de Lucena. De acordo com a defesa, Jaciel Franklin está à disposição para cooperar com as investigações.

Em nota enviada à imprensa por volta das 12h, a família de Marcelo Eleutério informou que aguardava o advogado falar algo pois não tinha total ciência do que está acontecendo. A nota diz que “Marcelo era servidor público e cumpria determinação de seus superiores”, e que a família não entende o porquê destes superiores “não terem sido chamados para esclarecimentos”.

A Secretaria de Desenvolvimento Humano da Paraíba ainda não se pronunciou sobre o caso. Ela é responsável pela Secretaria Executiva de Economia Solidária, comandada por Roseane Meira, onde um dos alvos trabalhava. Marcelo foi exonerado do cargo em fevereiro deste ano.

O que disse o governador

A suspeita é que ele foi exonerado depois que o governo identificou supostas irregularidades.

O próprio governador revelou que havia identificado problemas em um trabalho conjunto com Gaeco.

Nós identificamos o uso de notas fiscais falsas, documentos falsos e começamos a fazer esse levantamento, que ocorreu entre a Secretaria da Fazenda e a Controladoria-geral do Estado, depois envolvendo o MPPB, onde foi estimado o prejuízo de R$ 170 mil. Depois vimos que a compra também foi feita por prefeituras e o volume pode ser muito maior”, disse o gestor, em entrevista à imprensa, na manhã desta quarta-feira (06).

O Observatório da Gestão Pública, que realizou a investigação, é formado pelo Grupo de Atuação Especial Contra o Crime Organizado (Gaeco-MPPB), Polícia Civil, Polícia Militar, TCE e CGU.