Incra deve proteger comunidades rurais em projetos de energias renováveis na PB

Os Ministérios Públicos Federal (MPF) e estadual da Paraíba (MPPB), juntamente com as Defensorias Públicas da União e do Estado emitiram uma recomendação conjunta para proteção das comunidades quilombolas, das comunidades tradicionais beneficiárias de projetos de reforma agrária e também àquelas voltadas para os assentamentos de reforma agrária.

Parque eólico Santa Luzia. Foto: Laerte Cerqueira

A instalação de de energias renováveis em áreas de proteção de comunidades rurais na Paraíba entrou no radar dos órgãos de controle no estado. Os Ministérios Públicos Federal (MPF) e estadual da Paraíba (MPPB), juntamente com as Defensorias Públicas da União e do Estado emitiram uma recomendação conjunta ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

O documento caminha na direção da proteção das comunidades quilombolas, das comunidades tradicionais beneficiárias de projetos de reforma agrária e também àquelas voltadas para os assentamentos de reforma agrária.

Direcionamento semelhante foi enviado no início do mês à Superintendência de Administração do Meio Ambiente (Sudema).

A preocupação é que essas comunidade tradicionais possuem formas próprias de organização social, ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica. Por isso, é fundamental que sejam consultados previamente sobre projetos que possam impactar suas vidas.

Além disso, a recomendação orienta o Incra a adotar medidas de mitigação dos impactos desses projetos, especialmente aqueles que prejudicam a saúde, segurança e bem-estar da população afetada, criam condições adversas para atividades sociais e econômicas, e afetam negativamente a fauna e flora.

Entre as medidas recomendadas estão a realização de estudos prévios sobre os impactos socioambientais dos empreendimentos, o estabelecimento de diálogo com as comunidades afetadas para identificar suas demandas e necessidades específicas, além da adoção de medidas compensatórias para minimizar os danos causados.

A recomendação também alerta que o não cumprimento dessas medidas pode ensejar a adoção de providências administrativas e judiciais cabíveis, por violação dos dispositivos legais pertinentes.

Prazos para resposta do Incra

A recomendação estipula prazo de 20 dias para que o Incra responda vai acatar ou não as medidas recomendadas. Caso o Instituto não responda dentro do prazo estipulado ou não justifique o motivo de não atender a essa recomendação, todas as medidas administrativas e legais apropriadas serão tomadas devido à violação das leis correspondentes.

O Incra ainda deve informar, em 30 dias, quais medidas foram adotadas em relação aos projetos já instalados, em processo de instalação ou planejados em territórios quilombolas ou áreas de reforma agrária. Isso inclui comunidades específicas, como:

  • Cacimba Nova – São João do Tigre (usina eólica),
  • Comunidade Quilombola Serra do Abreu – Nova Palmeira (usina eólica),
  • Comunidade Quilombola Serra Feia e Aracati Chã I e II – Cacimbas (usina eólica),
  • Comunidade Quilombola Serra do Talhado Rural e Urbano (usina eólica e usina solar),
  • Comunidade Quilombola Pitombeira – Várzea (usina solar),
  • Comunidade Quilombolas Santa Tereza, Mãe D’Água e Barreiras – Coremas (usina solar),
  • Comunidade Quilombola Santa Rosa – Boa Vista (linha de transmissão)
  • Comunidade Quilombola Cruz da Menina – Dona Inês (linha de transmissão)

Demanda das comunidades

A formulação das medidas recomendadas ao Incra é fruto de discussão que envolveu, além dos órgãos de controle, representantes do próprio Incra, Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas), Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Coordenação Estadual das Comunidades Negras Quilombolas da Paraíba (Cecneq), Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), Empresa Paraibana de Pesquisa, Extensão Rural e Regularização Fundiária (Empaer), Centro de Ação Cultural (Centrac), AS-PTA Agricultura Familiar e Agroecologia, Polo da Borborema, Comissão Pastoral da Terra (CPT) e representantes da sociedade civil organizada.

As medidas foram organizadas em três grandes eixos. O eixo 1 tem foco na garantia do direito das comunidades quilombolas e tradicionais de serem consultadas previamente nos processos de instalação de empreendimentos nas suas localidades. Os outros dois eixos são voltados para comunidades quilombolas, comunidades tradicionais e quaisquer projetos de reforma agrária que o Incra tenha instalado no Estado da Paraíba, conforme detalhado a seguir:

Eixo 1: Consultas

A recomendação ao Incra estabelece critérios para a realização da Consulta Livre, Prévia e Informada (CLPI), que é um processo importante para garantir a participação das comunidades quilombolas e tradicionais nos processos de instalação desses empreendimentos. Para garantir que a CLPI seja realizada de forma adequada, é necessário seguir alguns critérios:

– A CLPI deve seguir um Protocolo de Consulta desenvolvido pela própria comunidade, determinando quem pode ser consultado, quando e como;
– As consultas devem ser intermediadas pelos órgãos públicos recomendados e não devem ser conduzidas pelo empreendedor ou terceiros interessados;
– A CLPI deve garantir a participação efetiva das comunidades nos benefícios financeiros gerados pelas atividades;
– A consulta também deve incentivar a negociação coletiva das cláusulas contratuais;
– A CPLI deve estabelecer o limite máximo de área das comunidades quilombolas ou tradicionais que pode ser usada para produção de energia renovável, garantindo áreas para usos econômicos, sociais e para a preservação física e cultural;
– Os custos da CPLI são de responsabilidade do empreendedor, e o processo deve ser realizado pelo Incra, seguindo o protocolo de consulta desenvolvido pela comunidade;
– Além disso, o Incra deve impulsionar, junto com o Ministério da Igualdade Racial, a Fundação Cultural Palmares, a Cecneq e outros órgãos/organizações/movimentos, a construção dos protocolos de consulta e realizar a consulta nas comunidades afetadas pelo empreendimento, que são territórios quilombolas ou comunidades tradicionais beneficiárias da reforma agrária. E deve informar os resultados à Superintendência de Administração do Meio Ambiente (Sudema) ou ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), de acordo com suas áreas de responsabilidade;
– Se o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) da comunidade quilombola ainda não estiver concluído, a CPLI e o processo de licenciamento ambiental devem ser suspensos até a conclusão do relatório mencionado;
– Em casos de empreendimentos em processo de instalação sem a CLPI, suas atividades devem ser suspensas até que se regularizem conforme a recomendação;
– Para empreendimentos em operação sem a CLPI, será concedido um prazo de 6 meses para regularização. Após esse prazo, a respectiva licença será cassada, as atividades suspensas e os equipamentos já instalados serão retirados.
– O Incra ainda deve exigir medidas de compensação social para todos os impactos causados no meio ambiente, especialmente aqueles que prejudicam a saúde, segurança e bem-estar da população, criam condições adversas para atividades sociais e econômicas, afetam negativamente a fauna e flora, afetam as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente e violam os padrões ambientais estabelecidos;
– A compensação social, a ser determinada no Estudo de Impacto Ambiental/Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) de acordo com as indicações da comunidade afetada, pode ser realizada diretamente ou indiretamente, sem deixar de reparar outros danos não inicialmente previstos. No caso de compensação indireta, os recursos provenientes dela devem ser repassados à comunidade.

Eixo 2: Contratos

Sobre a exigência de observância de pontos específicos nos contratos de energias renováveis em territórios quilombolas, territórios de comunidades tradicionais beneficiárias de projetos de reforma agrária e quaisquer assentamentos de reforma agrária, a recomendação ao Incra destaca as seguintes medidas:

– As empresas interessadas devem fornecer modelos de contratos e projetos com antecedência mínima de 60 dias para a comunidade, que deve participar da negociação das cláusulas. Esses contratos precisam ser divulgados para a comunidade, com aviso à Defensoria Pública e envolvimento dos sindicatos rurais, organizações que representem os agricultores, os quilombolas, e aviso à Empaer. Essas entidades ajudarão na negociação das cláusulas desses contratos com as empresas.
– Deve ser estimulada a contratação coletiva e a discussão entre as partes sobre todas as cláusulas estabelecidas no modelo de contrato
– Deve haver uma previsão de compensação financeira periódica aos membros da comunidade pelos impactos diretos e indiretos do projeto, considerando as restrições do uso das áreas afetadas.
– Os contratantes da comunidade devem ser informados mensalmente sobre a quantidade e valor econômico de energia gerada em seu território.
– Deve haver um pagamento pelo uso do território e pela receita gerada pelo potencial energético do território.
– Uma parte da energia produzida deve ser destinada às comunidades, garantindo acesso à energia para uso doméstico e atividades econômicas a preços acessíveis.
– As empresas devem garantir o pagamento mínimo de 6% do valor total arrecadado com a venda da eletricidade de cada torre ou placa fotovoltaica à comunidade como remuneração.
– Além disso, deve haver uma cláusula de revisão contratual a cada 5 anos, onde a comunidade possa avaliar o interesse no projeto. Se o empreendimento não proporcionar um retorno financeiro pelo menos igual à prática agrícola nas áreas cedidas às empresas, a comunidade pode rescindir o contrato unilateralmente e sem custos.
– Os contratos devem incluir multas e obrigações para as empresas em caso de descumprimento, inclusive a possibilidade de rescisão unilateral.
– É proibido incluir cláusulas abusivas nos contratos, especialmente aquelas que impõem obrigações unilaterais, garantindo um equilíbrio justo nas condições contratuais.
– As empresas são totalmente responsáveis pelos resíduos gerados pelos parques, incluindo a desmontagem, bem como pelos danos materiais, ambientais ou à saúde decorrentes do empreendimento.
– E é proibido celebrar contratos com cláusulas de renovação automática que se estendam aos herdeiros.

Eixo 3: Disposições Gerais

A recomendação ainda traz importantes disposições gerais para o Estudo do Componente Quilombola (ECQ) e de comunidades tradicionais beneficiárias da reforma agrária, e assentamentos de reforma agrária, incluindo medidas de compensação e mitigação ambiental, além de incentivos à produção de energia renovável por parte das comunidades.

Recomenda-se que o Incra:

– Acompanhe os estudos e relatórios que avaliam os impactos nos quilombolas e comunidades tradicionais beneficiárias da reforma agrária, incluindo os planos de compensação e medidas para reduzir esses impactos.
– Não permita que as empresas usem áreas coletivas e de reserva das comunidades como compensação ambiental exigida pelos órgãos ambientais.
– Estabeleça um limite máximo de área nas terras dos assentamentos de reforma agrária que pode ser usada para produção de energia, levando em conta os objetivos da política nacional de reforma agrária.
– Incentive as comunidades tradicionais e assentamentos de reforma agrária a produzirem energia renovável por meio de cooperativas comunitárias.
– Considere inválidos todos os contratos anteriores que não seguiram as diretrizes desta recomendação por não cumprirem o princípio da boa-fé. Isso inclui até mesmo os contratos protegidos pela Lei nº 4.504/65 – Estatuto da Terra. É necessário tomar medidas para que novos contratos sejam feitos.
– Na consulta comunitária, sugira ao órgão ambiental as formas de compensação social que devem ser exigidas.
– Acompanhe de perto a implementação das compensações sociais junto ao órgão ambiental.
– Faça o mapeamento, dentro de seis meses, de todas as comunidades tradicionais beneficiárias da reforma agrária que estão sendo impactadas pelos projetos de energia renovável. Isso complementará as informações necessárias para a recomendação.
– Realize reuniões, dentro de seis meses, com as pessoas afetadas pelos projetos de energia renovável que são beneficiárias da reforma agrária, a fim de implementar as recomendações mencionadas.
– Ao lidar com futuros pedidos de projetos em áreas de reforma agrária, siga as medidas desta recomendação e identifique se a comunidade afetada é considerada uma comunidade tradicional, de acordo com o Decreto 6.040/2007, que institui a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais.

Confira a íntegra da RECOMENDAÇÃO ao Incra.