O fomento aplicado em transição energética nos últimos anos, na Paraíba, vai além da troca da fonte de energia e provoca reflexos sociais e econômicos. A avaliação é do ex-diretor-geral da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), André Pepitone, palestrante de um evento sobre energias renováveis, na última sexta-feira (27), na Universidade Federal da Paraíba (UFPB).
Na avaliação do ex-dirigente, os impactos desses investimentos em cidades paraibanas já são visíveis, como em Malta, Coremas e em Santa Luzia, no sertão do estado. Ele foi o responsável por, em 2021, assinar a outorga da implantação de parques solares em Santa Luzia.
“Temos uma praça de execução de trabalhos lá na cidade, com inúmeros empregos gerados, movimentando a economia local”, disse.
A estrutura associa geração de energia eólica e solar e conta com um investimento de R$ 3 bilhões, sendo R$ 1,3 bilhão de financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento e Social (BNDES), no contexto de fomento às energias renováveis.
Com 15 parques eólicos, a potência total instalada é de mais de 471,25 megawatts (MW).
De acordo com a empresa responsável pelo equipamento, desde o início da instalação foram criados mais de 1.400 postos de trabalho, durante o pico de construção das obras, dos quais aproximadamente 40% são mão de obra local.
Em 2021, reportagem já mostrava como a chegada das usinas impactava na economia da cidade, transformando a rotina de moradores e dando a muitos deles a oportunidade de um recomeço profissional.
“Precisamos buscar atender desafios sociais, precisamos fazer transformações sociais, econômicas e políticas profundas, e já podemos observar isso na região Nordeste”, disse Pepitone na UFPB.
Segundo o economista Marcelo Martins, que estuda o impacto das energias renováveis na região, a Paraíba se posiciona como um estado de grande potencial em energia solar (29,1% da matriz elétrica local) e eólica (45,2% da matriz elétrica do estado).
Essa marca se deve à posição geográfica do estado, que permite grande incidência solar e também à intensidade e regularidade dos ventos, abrindo novas oportunidades de investimentos no setor.
A Paraíba desponta como um dos estados mais promissores no Nordeste em termos de produção de energia renovável, consolidando-se como um importante polo estratégico na diversificação da matriz energética do país
Na avaliação do economista, os investimentos na área geram tanto oportunidades quanto desafios socioeconômicos, no cenário atual. Um dos obstáculos é a ausência de mão-de-obra qualificada, além da sustentabilidade após a construção das estruturas.
"A geração de emprego e renda trazida por esses investimentos é, sem dúvida, uma oportunidade importante para o desenvolvimento local, mas para que seus benefícios sejam plenamente aproveitados, é necessário que haja planejamento", disse.
Para o economista, o poder público também precisa melhorar as condições dos sistemas de saúde, segurança e assistência social nessas regiões, a fim de que os benefícios promovidos pela implantação das energias alternativas sejam plenamente alcançados.
"O estado da Paraíba possui um enorme potencial para o desenvolvimento de energias renováveis, aproveitando suas condições climáticas favoráveis. No entanto, é fundamental ponderar os desafios enfrentados pelas empresas ao instalar seus empreendimentos em municípios com infraestrutura limitada", disse.
Investimentos
Em nota enviada ao Jornal da Paraíba, o BNDES informou que o fomento a essas iniciativas segue o previsto nas políticas operacionais do banco, além de considerar as diretrizes de sua Política de Responsabilidade Social, Ambiental e Climática (PRSAC).
O Banco conta com soluções específicas de financiamento, como o BNDES Finem, que dispõe de linhas incentivadas para geração de energia a partir fontes renováveis, e o Fundo Clima, no eixo de apoio a transição energética.
"O papel dos bancos de fomento é fundamental para impulsionar os investimentos em transição energética, de forma justa e atenta aos impactos socioambientais para as comunidades envolvidas", disse o BNDES.
Além do equipamento instalado em Santa Luzia, o BNDES investiu no projeto de energia solar Usina Rio do Peixe, da Energisa, que contou com apoio financeiro de R$ 110 milhões. A usina foi implantada nos municípios de São João do Rio do Peixe e de Cajazeiras.
De acordo com o Grupo Energisa, os parques solares Rio do Peixe I e II, detém 70 MWp de capacidade instalada total. "O investimento total foi de R$ 334,5 milhões, com geração de cerca de 600 empregos na região durante o período de implantação. Os empreendimentos possuem o certificado global de energia limpa I-REC, que agrega valor ao Megawatt gerado e confirma sua origem de fonte renovável", disse o grupo.
Fomento impulsiona pesquisa na UFPBDesenvolvida por meio de acordo de cooperação entre a Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii) e a multinacional Huawei, a Usina-escola de energia fotovoltaica da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) já proporcionou uma economia de R$ 300 mil à UFPB, um ano após sua implantação.
O projeto se tornou um modelo de inovação tecnológica e um exemplo de como a colaboração entre instituições de fomento, empresas e instituições de pesquisa pode gerar impactos positivos.
A usina tem um diferencial em relação aos projetos convencionais: o uso de um algoritmo de inteligência artificial (IA), desenvolvido por pesquisadores paraibanos, que proporciona uma melhora significativa na eficiência energética do equipamento, gerando maior sustentabilidade.
O projeto alia o Sistema de Rastreamento Solar Tracker, que já é tradicional na área e permite a movimentação dos painéis solares durante o dia, com o diferencial de captar parâmetros climatológicos. Isso permite otimizar a geração de energia, inclusive em dias chuvosos ou nublados.
A tecnologia funciona como um girassol, com o incremento de dados fornecidos por inteligência artificial. O sistema funciona a partir da seguinte pergunta: a mudança de posição dos painéis vai proporcionar o ganho ou a perda de energia?
“Os painéis mudam de posição de acordo com a hora do dia, com um sistema que, além dessa mudança automática, permite saber a melhor posição que o painel deve estar para proporcionar uma geração de energia adicional”, disse Euler Macêdo, diretor do CEAR e coordenador do projeto.
A tecnologia inovadora, segundo ele, trouxe um ganho de geração de energia em torno de 7% por dia, sem que fosse necessário ampliar a infraestrutura da usina, que conta com 372 módulos. “Essa energia compensa parte do consumo que é usado para as atividades da própria universidade. Ela reduz o gasto com insumos de energia elétrica dentro da instituição”, informou.
Situada em um anexo do Centro de Tecnologia e Desenvolvimento Regional (CTDR) da UFPB, em Mangabeira, que é o maior bairro de João Pessoa, a usina tem potência instalada de 241,8 kWp e capacidade de gerar até 520 MWh por ano, com uma produção que pode atender aproximadamente 280 residências na região. A tecnologia está pronta para ser ampliada em qualquer usina já existente no país.
Importância do fomento
A usina solar é um exemplo sobre os impactos positivos possibilitados pela colaboração entre instituições de fomento e a pesquisa científica.
Os investimentos para a implantação e desenvolvimento da usina foram de R$ 3,5 milhões, sendo a maior parte de recursos oriundos da multinacional, com o apoio financeiro da Embrapii, responsável pela contratação de 10 engenheiros, através de recursos não reembolsáveis.
Além de atuar em acordos de cooperação com instituições nacionais, como o BNDES e a Financiadora de Inovação e Pesquisa (Finep), A Embrapii investe em parcerias regionais, como a Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado da Paraíba (FAPESQPB), que está entre as parceiras do projeto.
“Foi feita uma Parceria Público-Privada, que permite que as empresas desenvolvam tecnologia e inovação a partir da celebração de um convênio com a universidade. Isso permitiu que o projeto tivesse uma magnitude maior para que tivesse fosse feita a instalação da usina”, explicou Euler.
A implantação da usina solar da UFPB foi fundamental para profissionais como o engenheiro elétrico José Vinicius, que encontrou no projeto a “porta de entrada” para o mercado de trabalho. Ele liderou uma equipe de estudantes no desenvolvimento da pesquisa.
“Esse projeto foi bem importante para minha vida acadêmica e profissional, porque eu era recém-formado, em 2021, e no ano seguinte surgiu o projeto. Nós desenvolvíamos os algoritmos baseados em Inteligência Artificial e, ao mesmo tempo, repassávamos as demandas necessárias para a equipe de projetos”, disse.
Para o engenheiro, outro ponto positivo é o contato que ele e os demais pesquisadores tiveram com cientistas da empresa parceira, com quem puderam trocar experiências e adquirir conhecimentos no desenvolvimento do trabalho.
“Tivemos a oportunidade de estar em contato com o mercado e trabalho quase que o tempo todo, com empresas de renome e de grande importância para o mundo globalizado, e em contato com executivos da empresa parceira. Isso dá o amadurecimento necessário, tanto para quem executa diretamente quanto para quem financia os projetos”, afirma.
Segundo o estudante, a iniciativa de fomento no setor é um ciclo que beneficia todos os envolvidos na pesquisa, mas sobretudo a sociedade, através das soluções inovadoras desenvolvidas nos projetos de pesquisa e que poderão ser colocados em prática.
“Nossas soluções conseguiriam tornar a produção de energia elétrica mais barata, tornando os sistemas mais eficientes, o que consequentemente impactaria no bolso do consumidor. Nosso foco é, além de produzir inovação, provocar também benefícios para a sociedade”, disse.
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