QUAL A BOA?
Linduarte Noronha morreu há oito anos. Estão lembrados dele?
Publicado em 30/01/2020 às 10:41 | Atualizado em 22/06/2023 às 12:55
Oito anos atrás, na noite seguinte à morte de Linduarte Noronha, sonhei com Antônio Barreto Neto. Sonhei porque fui dormir pensando neles. Os caras que me acolheram quando, adolescente, comecei a publicar artigos sobre cinema no velho Correio da Paraíba de Teotônio Neto, que funcionava na Barão do Triunfo. Barreto foi meu avalista. Jurandy Moura era o editor do jornal. Linduarte, procurei no Iphaep para pedir a lista dos melhores filmes do ano. É a primeira lembrança que tenho de um contato pessoal com ele. Fui recebido como se fizesse parte da turma. E falamos dos temas que frequentariam nossas conversas dali por diante: o cinema e os impasses brasileiros.
Em 1974, quando Antônio Barreto Neto me levou até Jurandy Moura na antiga redação do Correio da Paraíba, Linduarte Noronha já havia realizado seus três filmes e não atuava mais como crítico. Ainda muito jovem (tinha pouco mais de 40 anos), era visto com frequência nas salas exibidoras da cidade. Também participava ativamente dos eventos associados à produção cinematográfica paraibana. Era a época em que, no comando do Iphaep, começava a se dedicar à preservação do nosso patrimônio histórico, uma luta que sabia importante, fundamental, mas que o angustiava. E parecia aumentar as suas descrenças em relação ao nosso destino como Nação.
Quem primeiro me falou sobre a importância dele foi meu pai. Os dois se conheceram no Liceu Paraibano. Linduarte, professor de Geografia. Meu pai, estudante, seis anos mais jovem. Não precisei sair de casa para saber da existência de muita gente. As conversas cotidianas foram fundamentais na minha formação. Linduarte estava presente nelas. Ele e Aruanda. Comunista, meu pai gostava das questões que o filme abordava. Tinha uma natural identificação com as teses que o cineasta defendia. E o admirava por outras razões: a voz no rádio, os textos no jornal.
No início da década de 1980, Linduarte foi meu professor de cinema no curso de Comunicação Social, na UFPb. Paguei a disciplina, mas voltei à sua sala em outros semestres só como ouvinte. Era um privilégio ouvir suas divagações sobre filmes e cineastas. Lembro de uma manhã em que o tema da aula foi Casablanca, que ele revira numa madrugada qualquer na televisão. A análise do conteúdo, do roteiro exemplar, as explicações sobre a belíssima fotografia em preto e branco, as técnicas de montagem, uma minuciosa explanação a respeito da sequência final, o desempenho de Bogart e Bergman – nunca mais vi alguém falar de Casablanca com tamanha propriedade.
Nossa última conversa foi por telefone. Tentei marcar uma entrevista, mas ele disse que estava cansado. Não apenas o cansaço físico daquele momento. Era uma espécie de exaustão que tinha origem meio século atrás, na realização de Aruanda. O cineasta dava sinais de que precisava libertar-se do filme e das suas consequências. Pensei nisto enquanto editava o necrológio de Linduarte para o jornal noturno da TV. Fiquei comovido com o depoimento da filha sobre a dignidade do homem e as qualidades do pai. E enchi os olhos de lágrimas quando selecionei a cena em que ouvimos “ó mana deixa eu ir”. Com sua força e sua beleza, Aruanda atravessa o tempo como retrato dos nossos impasses.
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