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Ligas camponesas: luta por direitos trabalhistas, pela terra e resistência à ditadura militar

Publicado em: 13/04/2024 às 7:41

No Brasil, antes que os direitos dos trabalhadores do campo fossem equiparados aos dos demais, muitas lutas foram travadas a partir da resistência da categoria.

Os camponeses no Brasil lutavam por um pedaço de terra para viver e trabalhar fora do autoritarismo dos latifundiários, que concentraram a propriedade rural e também dominavam o poder político.

A busca pelo fortalecimento dos direitos básicos e comuns, como o de receber pelo trabalho e resistir a práticas lesivas, marcou um período de violência contra esse movimento em meio ao regime militar. As ligas camponesas protagonizaram momentos que são exemplos disso.

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Para contar essa história, o Jornal da Paraíba conversou com o professor Severino José de Lima, da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), que é especialista nas áreas de sociologia rural, trabalho e desenvolvimento regional.

Além disso, o Jornal da Paraíba também traz trechos de depoimentos coletados pela Comissão Estadual da Verdade e Preservação da Memória do Estado da Paraíba (CEVPM-PB).

Esta reportagem vai responder aos seguintes questionamentos:


				
					Ligas camponesas: luta por direitos trabalhistas, pela terra e resistência à ditadura militar
Foto: Memorial das Ligas Camponesas.. Foto: Memorial das Ligas Camponesas.

O que foram as ligas camponesas?

No Brasil, as ligas camponesas foram criadas pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB) durante o governo ditatorial do presidente Getúlio Vargas. Na década de 1950 houve um crescimento delas no Nordeste.

Elas nasceram da associação de pequenos produtores rurais. A primeira surgiu no Engenho Galileia, em Pernambuco, e era liderada pelo advogado Francisco Julião, ligado ao Partido Socialista Brasileiro (PSB).

A primeira organização nasceu com um objetivo principal: a cobrança por direitos trabalhistas. Nesse caso, mais especificamente, a abrangência da legislação trabalhista do governo Getúlio Vargas – que englobou apenas quem trabalhava na cidade – para os trabalhadores do campo, como o salário mínimo, por exemplo.

No geral, os trabalhadores do campo também reivindicavam os direitos trabalhistas básicos e a terra para o trabalho. Um local onde pudessem criar suas famílias e plantar suas roças. Além disso, as ligas camponesas levantavam questões sociais.

As primeiras associações, portanto, tinham esses dois objetivos:

  • > Terra de trabalho
  • > Assistência social

“As ligas camponesas se destacam na história da classe trabalhadora do mundo inteiro. Reivindicavam direito médico, hospital, assistência na hora da maternidade, direito a remédio, direito básico, inclusive a alimentação e moradia. Com acréscimo a escola para os filhos. Um lugar pra dormir, pra encostar a cabeça, uma moradia”, reforçou.

Com as ligas camponesas, pela primeira vez no Brasil, os camponeses foram enxergados como sujeitos políticos.

“Foi a primeira vez no Brasil que os camponeses ocuparam o cenário político nacional como uma classe, uma categoria que reivindicava direitos. Que reivindicava cidadania. Que os camponeses apareceram como atores políticos. Como portadores de direitos. E reivindicando, sobretudo, uma forma de reparação, enquanto direito, do Brasil agrário, do Brasil que nessa época, já interava 50 anos depois da abolição da escravatura”, explicou Severino.

Na época, os camponeses formavam a maioria da população. Conforme o professor, cerca de 80% dos brasileiros eram camponeses e moravam no campo.

No campo, viviam sob a lei do latifúndio, a lei dos proprietários de terra.

“Eles mantêm o poder político local com milhares de camponeses que sobrevivem cultivando a terra alheia dos proprietários para plantar os alimentos necessários para viver. Se assalariando com o corte da cana, por exemplo”, reforçou o professor.


				
					Ligas camponesas: luta por direitos trabalhistas, pela terra e resistência à ditadura militar
Memorial das Ligas Camponesas. Foto: Arquivo / Memorial das Ligas Camponesas. Memorial das Ligas Camponesas. Foto: Arquivo / Memorial das Ligas Camponesas

Como foi a ampliação das ligas camponesas e quais são as referências na Paraíba?

Na Paraíba, as ligas camponesas foram criadas a partir de 1958, na cidade de Sapé, e se espalharam por outros municípios.

No estado, elas estavam localizadas principalmente na zona canavieira.

Além de Sapé, outras ligas conhecidas e com representatividade considerável na zona canavieira paraibana foram as de Santa Rita, Guarabira e Campina Grande.

“A maior foi a de Sapé, seguida da de Santa Rita e Guarabira. Essas foram as três grandes ligas da Paraíba”, assegurou o especialista.

João Pedro Teixeira é uma referência de liderança da Liga Camponesa de Sapé, assim como de todo o movimento no país.

Com o golpe militar, em 1º de abril de 1964, lideranças das ligas camponesas sofreram perseguição, como Elizabeth Teixeira (esposa de João Pedro Teixeira) que foi obrigada a abandonar sua família e viver como clandestina, durante quase todo o período da ditadura.


				
					Ligas camponesas: luta por direitos trabalhistas, pela terra e resistência à ditadura militar
Elizabeth Teixeira. Foto: Arquivo / Memorial das Ligas Camponesas. Foto: Arquivo / Memorial das Ligas Camponesas

Como as ligas camponesas atuavam e resistiam?

Com base nas orientações de advogados ou outras lideranças, eram criadas associações, da mesma forma como acontece atualmente.

A atuação das ligas camponesas partia dessa organização de pessoal em reuniões que aconteciam nas comunidades.

A partir desse movimento, os integrantes das ligas se mobilizavam, principalmente, para resistir na terra.

Isso acontecia, por exemplo, com a ocupação de terras onde os proprietários expulsavam os trabalhadores de suas roças.

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>> Presa política da ditadura relembra tortura na Granja do Terror >> Quem foram os mortos e desaparecidos na Paraíba durante a ditadura militar >> O dia em que JK driblou espionagem do regime militar ao tomar banho de mar na PB

Um momento claro da história brasileira que remontou essa realidade aconteceu na década de 1970, com a expansão da cana de açúcar. Para que o plantio crescesse, muitos camponeses foram expulsos de suas casas pela vigilância armada de jagunços. Outra forma de acabar com o plantio era colocar gado para comer toda a roça.

“O latifúndio era o símbolo do atraso. A relação dentro dos engenhos era semelhante ao Feudalismo. Porque as relações entre patrão e empregado se davam através do consentimento de que os agricultores podiam cultivar as roças dentro dos engenhos e fazendas e se assalariando com o momento do corte da cana. Até hoje é assim. Quem mora nessas áreas metade do ano tem trabalho e a outra metade não. Depois do corte da cana, grande parte dos trabalhadores eram dispensados”.

E para que esses trabalhadores pudessem continuar na terra, usavam as leis, como a do Usucapião (que cede a propriedade da terra com base no tempo de uso), por exemplo.

“Muitas vezes eram terras públicas que os proprietários passavam cerca e diziam que eram suas. Pra onde iriam? Morar na beira de estrada? Na beira da ponte? Não tinham pra onde ir. A primeira manifestação era resistir e não sair, não abandonar o seu lugar de moradia”, contou.

Nessa época, mais precisamente no ano de 1975, a igreja católica criou a Comissão Pastoral da Terra para socorrer os camponeses. Atualmente, essa instituição permanece sendo uma das que mais atua no meio rural brasileiro.


				
					Ligas camponesas: luta por direitos trabalhistas, pela terra e resistência à ditadura militar
João Pedro Teixeira e a família. Foto: Arquivo/Memorial das Ligas Camponesas. Foto: Arquivo/Memorial das Ligas Camponesas

Como foi a repressão contra as ligas camponesas durante a ditadura militar?

Durante a ditadura militar, vários são os registros de perseguição, repressão, tortura e outros crimes contra os integrantes das ligas camponesas.

A partir daqui, esta reportagem traz trechos e depoimentos coletados pela Comissão Estadual da Verdade e Preservação da Memória do Estado da Paraíba (CEVPM-PB).

Abaixo está parte das histórias de três grandes referências do movimento: João Pedro Teixeira, Elizabeth Teixeira e Assis Lemos.

João Pedro Teixeira

João Pedro Teixeira foi um dos principais líderes dos trabalhadores do setor rural e uma grande referência de luta e resistência das ligas camponesas.

Ele junto de outros representantes criaram a Liga Camponesa de Sapé, a maior e com mais representatividade na Paraíba.

Com a expansão das ligas, foi formada a Federação da Ligas Camponesas da Paraíba. O presidente dessa instituição foi o agrônomo Assis Lemos (veja a história dele mais abaixo).

“O crescimento da liderança desse camponês atiçou o ódio dos latifundiários, especialmente daqueles que compunham o chamado ‘Grupo da Várzea’, organização que promovia todo tipo de violência contra os trabalhadores rurais”, diz o relatório da comissão da verdade.

Conforme o documento, João Pedro foi assassinado durante uma emboscada quando retornava de João Pessoa a casa dele, localizada no Sítio Barra de Antas, em Sapé. Isso aconteceu mais de 50 anos atrás, no dia 2 de abril de 1962.

Outros camponeses, trabalhadores da cidade e estudantes se revoltaram com a morte de João Pedro. O sepultamento dele reuniu uma multidão e foi transformado em uma espécie de ato político contra a violência no campo.

Ainda conforme o relatório da comissão da verdade, a justiça pediu a prisão dos assassinos e mandantes do crime, mas o processo foi arquivado após o golpe militar.

João Pedro foi casado com Elizabeth Teixeira. Eles tiveram onze filhos. Após o assassinato do marido, ela assumiu a liderança da liga camponesa de Sapé.

Elizabeth Teixeira

Elizabeth Altina Teixeira, mais conhecida como Elizabeth Teixeira, relatou diversos episódios de violência no campo durante o golpe militar.

Em um dos depoimentos, a paraibana recordou o dia em que quatro famílias foram ameaçadas de expulsão de engenhos. Esses moradores foram até a casa dela pedir ajuda para evitar a possível expulsão. Ela tentou auxiliar, mas não conseguiu.

Por causa dessa intervenção, quando voltou para casa, Elizabeth encontrou dois carros da Polícia Militar com policiais que atiraram contra a residência. Depois disso, ela contou que foi levada para uma delegacia em João Pessoa.

Elizabeth passou por perdas familiares provocadas pela repressão, mas se manteve nas ligas camponesas. Por outro lado, a perseguição também continuou.

Com o golpe militar de 1964, a paraibana foi presa pelo Exército. Ela recebeu um bom tratamento enquanto esteve na prisão. Quando foi liberada, recebeu um alerta de que ela não poderia voltar para casa para que não fosse presa novamente. Por isso, relatou que fugiu da Paraíba para o Rio Grande do Norte, com apenas um dos dez filhos.

Elizabeth precisou trocar o nome para Marta Maria da Costa para não ser identificada. Ela viveu quase vinte anos assim.

Assis Lemos

O paraibano Francisco de Assis Lemos, mais conhecido como Assis Lemos, foi preso e torturado durante o regime militar.

Em um dos trechos do relatório da verdade, ele relembrou as condições de vida e trabalho dos camponeses paraibanos entre os anos de 1958 e 1964.

“Eu como agrônomo observei no campo, naquela época, a injustiça que estava acontecendo, que era o chamado cambão, que era o trabalho de graça, para o camponês morar numa fazenda. Ele tinha a obrigação de dar alguns dias de graça, de trabalho de graça na fazenda, e era chamado cambão, que na Idade Média era a corvéia", diz o relatório.

Citação

Então nós estávamos aqui no Brasil na Idade Média, e a luta que na época se dizia que era pelo comunismo, pelo socialismo, foi na realidade uma luta pelo capitalismo. Sair do sistema feudal para entrar no sistema capitalista.

Assis Lemos

Assis Lemos escreveu um livro chamado “O Vietnã que não houve: ligas camponesas e o golpe de 1964”.

Nessa obra, ele afirmou que, com o trabalho das ligas camponesas, o trabalhador rural passou a ser chamado de camponês.

As ligas camponesas conquistaram para o município de Sapé um posto do Serviço de Assistência Médica Domiciliar de Urgência (SAMDU), um posto do Serviço de Alimentação da Previdência Social (SAPS), uma agência do Banco do Brasil, um posto dos Correios para o distrito de Sobrado e uma unidade Médica Hospitalar.

Ainda na época do regime militar, a pressão contra as ligas camponesas ficou ainda mais intensa. E após a repressão, prisão, tortura, morte e outros crimes contras os membros, as ligas foram extintas no governo de João Goulart.


				
					Ligas camponesas: luta por direitos trabalhistas, pela terra e resistência à ditadura militar

Qual o legado das ligas camponesas e como está a luta pela terra no Brasil?

Conforme o professor, a luta pela terra foi e continua sendo uma bandeira muito importante no país.

“A sociedade brasileira desde a escravidão contraiu uma grande dívida com camponeses e povos originários não reconhecendo o seu estatuto de cidadão”, apontou o especialista.

Ainda conforme o professor, o principal legado das ligas camponesas é a luta pelo direito a terra, que se estende também ao direito da terra urbana.

“Essa luta continua hoje com o trabalhador do campo sendo protagonista político dizendo pra sociedade brasileira: olha, nós existimos, nós somos trabalhadores do campo, nós temos direitos”, pontuou.

Essa luta, conforme o professor, continua hoje com o Trabalho do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), por exemplo, que é um dos maiores movimentos sociais agrários do mundo e que possui raízes nas ligas camponesas.

Para ambos, a principal bandeira é o direito a terra e transformação dela em lugar de moradia e produção.

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Jornal da Paraíba

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