COTIDIANO
W.J. Solha em três pequenos retratos
Publicado em 02/12/2016 às 14:22 | Atualizado em 31/08/2021 às 7:49
Um leitor sugere que eu escreva algo sobre W.J. Solha.
Segue o texto. Três pequenos retratos de Solha tirados por mim.
UM LIVRO
Meu pai tinha um amigo chamado Roberto Peixoto. Foi ele que levou Solha à nossa casa, em Jaguaribe. Os dois eram colegas no Banco do Brasil. Solha questionava a existência histórica de Jesus Cristo e queria escrever um livro sobre o tema. Embora ateu, meu pai não questionava. E tinha argumentos baseados nas muitas leituras que fez. Não só do Evangelho. Era astrônomo amador, e o visitante queria conversar sobre o caminho que o sol percorre a cada 12 meses. Meu pai discordou das teses de Solha sobre Jesus Cristo, mas gostou dele. Alguns anos mais tarde, sentiu o impacto de Israel Rêmora, o livro que ganhou o Prêmio Fernando Chinaglia. E tentou traduzir suas impressões num longo ensaio que nunca publicou.
UM FILME
Em 1975, Antônio Barreto Neto estava filmando um curta chamado A Guerra Secreta. Eu fazia as vezes de assistente de direção. Contava brevíssimas histórias de pessoas que se rebelavam contra o princípio da autoridade. Tema delicado num país que vivia sob governos de exceção. Solha era o filho que questionava a autoridade dos pais. Fazia pior: resolvia esganá-los na hora do café da manhã. Se é possível imaginar a mistura, a cena tinha algo de Pasolini e Peckinpah. Fomos filmar na casa de Solha. Os filhos dele eram duas crianças lindas que sentaram à mesa durante a filmagem. Mário e Vitória Chianca eram os pais. Havia uma discussão entre pai e filho, e a briga terminava em tragédia. A encenação pareceu real demais. Acredito que Mário e Vitória ficaram um pouco assustados com o que aconteceu naquela manhã.
UMA CANTATA
Muito depois das Ligas Camponesas e bem antes do MST, a Paraíba assistiu à luta pela terra em Alagamar. A década de 1970 estava terminando, e o Brasil vivia a abertura política do general Figueiredo. A redemocratização batia às nossas portas. A Igreja se envolveu no conflito. À frente, Dom José Maria Pires, figura extraordinária que por três décadas comandou o rebanho católico paraibano. A história foi contada numa peça musical que fundia o erudito com o popular. José Alberto Kaplan, um argentino que viveu e morreu na Paraíba, escreveu a música. Solha, o texto. Na estreia, o arcebispo fez um comentário inesquecível: que a Cantata Para Alagamar unia três homens chamados José. E falou das diferenças que havia entre eles. Dom José era cristão. Kaplan, judeu. E Solha não acreditava na existência de Jesus Cristo.
Um livro, um filme, uma cantata. São pequenos retratos tirados a partir do que guardo na minha memória afetiva. Solha faz muitas outras coisas. É autor de teatro, artista plástico, já se envolveu com o mundo da propaganda, até com o sindicalismo. Intelectual de brilho intenso, Solha engrandece a Paraíba com o seu talento.
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