SILVIO OSIAS
A delação que atormentou Elia Kazan por toda a vida
Publicado em 15/05/2017 às 7:04 | Atualizado em 12/07/2022 às 15:11
Em seu tempo, Elia Kazan era reconhecido como um dos grandes cineastas do mundo. Atuando entre a década de 1940 e a de 1970, realizou pelo menos meia dúzia de filmes excepcionais que inseriram seu nome na história do cinema. Os críticos e os cinéfilos ainda se rendem ao seu talento e à sua importância. Nasceu na Turquia, filho de pais gregos, e se fez na América, onde chegou aos quatro anos – o que dá um caráter autobiográfico ao belíssimo A Terra do Sonho Distante, de 1963. É um dos momentos mais expressivos da sua filmografia, ao lado de Uma Rua Chamada Pecado, Sindicato de Ladrões, Vidas Amargas, Boneca de Carne e Clamor do Sexo.
Elia Kazan ajudou a mudar Hollywood. Não apenas com os filmes que dirigiu. Também com a escola de atores que fundou, o Actors Studio, que levou para a tela um modo diferente de intepretar. Foram muitos os filhos do “método”. O maior deles, Marlon Brando. Mas também Paul Newman, James Dean e Montgomery Clift. O seu cinema tem o teatro por onde iniciou a carreira (Uma Rua Chamada Pecado é a filmagem de Um Bonde Chamado Desejo, de Tennessee Williams) e a literatura (Vidas Amargas é a adaptação de uma parte de Ao Leste do Éden, de John Steinbeck), atividade que acabou abraçando ao publicar, em 1967, o romance Movidos pelo Ódio.
Mas nem tudo merece aplausos na história de Elia Kazan. Há um capítulo sombrio e nunca esquecido na sua biografia. Comunista na juventude, ele denunciou os companheiros ao Comitê de Atividades Antiamericanas, na caça às bruxas capitaneada pelo senador Joseph McCarthy. O grande cineasta era também um delator. E o fantasma da delação o acompanharia por toda a longa vida. Seus filmes falam do tema. Sindicato de Ladrões é um deles. Vidas Amargas mostra que o homem não é bom nem mau o tempo todo. Kazan tentava justificar o ato abominável. Utilizava o cinema como instrumento de superação, mas a recorrência sugere que o problema jamais foi resolvido.
O cinema de Elia Kazan e o tema da delação estão juntos em Os Visitantes. Seu penúltimo trabalho é um filme obscuro realizado com poucos recursos, em 1972, num padrão que lembra mais as produções independentes novaiorquinas do que o cinema de Hollywood. Conta a história de um homem que lutou no Vietnã e, lá, denunciou os companheiros que estupraram uma garota vietnamita. Na trama, anos após a guerra, ele está recolhido ao lar, levando uma vida tranquila com a família, quando recebe a inesperada visita daqueles a quem delatou. Toda a ação se passa durante o tenso reencontro, entre falas e silêncios.
Os Visitantes foi exibido uma única vez em João Pessoa, em 1974. As revisões que faço sempre confirmam o seu vigor e a sua beleza. E a força das questões que levanta em torno do tema que atormentava o cineasta. No fim da vida, ao receber um Oscar pelo conjunto da obra, Elia Kazan enfrentou o protesto de parte da plateia. Mas seu cinema é maior do que o episódio da delação.
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