COTIDIANO
Falou e disse: "Concisão: o menos vale mais"
Publicado em 24/11/2014 às 16:44
O professor Chico Viana associa a variedade de temas própria da crônica com reflexões e comentários sobre a língua portuguesa. Contato com a coluna: [email protected]
“Quem muito fala muito erra” – diz o ditado. E quem muito escreve, além de também correr o risco de errar, tende a se perder no excesso de palavras. O exagero dessa tendência constitui a verborragia, ou seja, o ato de escrever demais e expressar um mínimo de ideias.
O oposto da verborragia é a concisão, que se define como a economia de palavras. O poeta Jose Paulo Paes destaca essa qualidade em “Poética”: “Conciso? Com siso // Prolixo? Pro lixo.” Jogando com os homônimos, ele afirma que o que é escrito com poucas palavras revela sensatez. E o que tem palavras em excesso (prolixidade é a “demasia ao falar ou escrever”) deve ir para o lixo. O poeta pratica o que defende, pois seu poema não tem mais do que dois versos.
Um dos maiores desafios para quem escreve é mesmo eliminar o entulho verbal. Às vezes o autor tem que escrever duas ou mais versões do texto, sempre cortando, para chegar à simplicidade e à clareza que garantem a comunicação.
Um dos excessos por vezes encontrado nas redações é a duplicação de palavras. Parece que usar apenas um verbo ou um substantivo não satisfaz. É preciso emparelhá-lo com outro, embora nem sempre o resultado seja bom.
Por exemplo: “Necessitamos de medidas para preservar e cuidar do ecossistema”, “O trabalho estimula e eleva o amor-próprio”, “Nosso sistema carcerário limita e inibe a reintegração do preso à sociedade”, “Os pais precisam orientar e dirigir os filhos”, “É preciso manter a atenção e o foco nas metas”, “O professor deve estimular a solidariedade e a união do grupo”.
O propósito dos alunos é dar ênfase, mas o que eles conseguem é o oposto. Um dos termos, por nada acrescentar ao outro ou estar nele contido, acaba enfraquecendo-o. Na correção deve-se cortar o que tem menor peso semântico. Basta dizer: “Necessitamos preservar o ecossistema”. É impossível preservar sem cuidar; logo, o segundo verbo está sobrando. Isso vale para todos os pares apresentados no parágrafo anterior. Se o leitor tem dúvida, faça o teste.
Reescrever provérbios é um bom exercício para avaliar o efeito da concisão. De quebra, tem o mérito de levar a que se consulte o dicionário. Leia a reescrita que fizemos de algumas conhecidas sentenças populares e compare, no final, como a formulação sintética aumenta o impacto sobre o leitor:
1) Cada espécime dos primatas deve permanecer na subdivisão do caule de uma árvore ou arbusto que lhe é devida.
2) O Todo-Poderoso presta assistência aos que antes da ocasião própria levantam da cama ao alvorecer.
3) Quem sente grande afeição por alguém de aparência desagradável, desproporcional ou disforme, terá a impressão de que essa pessoa lhe suscita prazer estético.
4) Cada indivíduo cujo comportamento ou raciocínio denota alterações patológicas das faculdades mentais cultiva seus hábitos peculiares e obsessivos.
Provérbios: 1) Cada macaco no seu galho. 2) Deus ajuda quem cedo madruga. 3) Quem ama o feio, bonito lhe parece. 4) Cada louco com sua mania.
TIRE SUA DÚVIDA
E-mail de Mário F.: “Professor, queria saber se esta frase está correta: ‘Uma caminhada longa é eficaz tanto quanto uma corrida’. Obrigado.”
Está não, Mário. O problema se encontra no uso de “tanto quanto”, que aparece indevidamente no lugar de “como” (Uma caminhada longa é eficaz como uma corrida).
Caso você queira quantificar o valor dos adjetivos, o par correlativo adequado é “tão... quanto” e seus membros devem vir separados: “Uma caminhada longa é tão eficaz quanto uma corrida.”
LANÇAMENTO
Nesta terça-feira, às 19 h, lançarei na Fundação Casa de José Américo a 2ª edição de “O evangelho da podridão”, que apareceu originalmente como tese de Doutorado defendida na UFRJ. No trabalho estudo a representação da culpa e da melancolia em Augusto dos Anjos, cujo centenário de morte se comemora neste mês de novembro. O livro tem capa de Flávio Tavares e será apresentado pelo cronista e acadêmico Gonzaga Rodrigues. Convido o leitor a aparecer por lá.
Originalmente publicado no Jornal da Paraíba, no dia 23 de novembro de 2014.
Comentários