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Rota do Couro: tradição faz moradores voltarem à Cabaceiras, e nova geração de artesãos é formada

Moradores buscaram oportunidades no Sudeste do Brasil, mas voltaram com a valorização do couro. Em uma antiga escola, uma nova geração é formada.

Publicado em 06/06/2025 às 6:37

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Dentro de uma antiga escola desativada no Distrito da Ribeira, o artesão Márcio Cláudio, de 46 anos, faz o acabamento de uma bolsa artesanal. Com bom humor, ele lembra da década vivida no Rio de Janeiro e o que fez ele voltar para Cabaceiras, no Cariri da Paraíba.

“Eu gosto porque é no meu lugar, é com a minha gente. A gente tá no lugar da gente, onde a gente nasceu e se criou. Eu acho isso prazeroso e eu também gosto de trabalhar no artesanato. E, além de tudo, é na sombra também, né? Porque o sol do Cariri é muito forte”, conta Márcio.

Como Márcio, artesãos têm retornado ao município, impulsionados pela valorização do artesanato em couro, tradição que também começa a atrair novos habitantes para a cidade. Cerca de 300 pessoas trabalham como artesãos na região e ajudam a manter viva a tradição do couro, segundo a Prefeitura de Cabaceiras.

Nesta última reportagem da série "Rota do Couro", o Jornal da Paraíba mostra como artesãos que saíram do município voltaram para fortalecer a tradição centenária do couro, e como uma antiga escola foi transformada em oficina para formar uma nova geração em Cabaceiras.

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Idas e vindas

Apesar de vir de uma família com tradição no trabalho com couro, o artesão Márcio Cláudio conta que, quando deixou Cabaceiras, o artesanato ainda não era tão rentável quanto é hoje e que a agricultura também não era uma opção por causa da escassez de chuvas - Cabaceiras é um dos municípios mais secos do Brasil.

Mas, depois de uma década vivendo no Rio de Janeiro, Márcio voltou para a terra natal e encontrou a valorização do couro e do artesanato na região. Ele decidiu ficar em Cabaceiras.

O artesão afirma que hoje valoriza muito o próprio trabalho com couro e reconhece que os jovens que hoje ocupam as oficinas talvez não estivessem ali se não fosse o fortalecimento do artesanato da cidade.

“A gente pode viver aqui tranquilo, trabalhando com artesanato. Eu acho que isso faz toda a diferença e, quem viveu lá atrás, hoje dá mais valor a isso aqui. Porque essa juventude, você pode ver que são muitos jovens, eles não estariam aqui hoje se não fosse isso. Estariam no Sul ou no Sudeste”, afirmou Márcio.


				
					Rota do Couro: tradição faz moradores voltarem à Cabaceiras, e nova geração de artesãos é formada
Gabriela Andrade, o marido dela e o irmão são sócios-proprietários de uma marca de calçados. Foto: Grace Vasconcelos.

A empresária Gabriela Andrade, de 38 anos, também deixou Cabaceiras na juventude para tentar a vida no Rio de Janeiro. Anos depois, decidiu voltar e dar continuidade à história da família - ela conta que é tataraneta de Totonha Marçal, pioneira do artesanato em couro na região.

“Só de saber que eu consegui voltar do Rio de Janeiro, e morar aqui, e ter o sustento de uma arte, da nossa arte, e não precisar ter que sair desse lugar da gente mais, e de poder morar perto da família da gente... é muito bom”, afirma Gabriela.

Hoje, ela é sócia-proprietária de uma marca local especializada em produtos de couro, principalmente calçados, produzidos no próprio município, a Vôtti.

“Anos atrás, não tinha essa oportunidade que hoje está tendo. Não tinha recurso. A única opção era ir embora, era morar fora, conseguir um trabalho e ajudar os pais que ficaram aqui. É a história da maioria das pessoas. Todo mundo aqui já morou lá (no Sudeste), e hoje veio para cá e tá trabalhando com artesanato”, conta Gabriela.


				
					Rota do Couro: tradição faz moradores voltarem à Cabaceiras, e nova geração de artesãos é formada
Luís Porto aprende a fazer a artesanato em couro na Oficina dos Saberes, em Cabaceiras. Foto: Grace Vasconcelos.

Ao contrário de Márcio e Gabriela, que saíram de Cabaceiras e depois retornaram, o município começa agora a receber pessoas que não nasceram no Cariri, mas que viram a oportunidade de trabalhar com o couro.

Luiz Porto, de 36 anos, é natural do Recife, mas está morando em Cabaceiras há dois meses. Ele conta que nunca havia trabalhado com couro e hoje está aprendendo o ofício na Oficina dos Saberes, dentro de uma escola desativada, onde Márcio Cláudio também trabalha (leia mais sobre isso abaixo).

“Procurei um estado que fosse melhor. Queria um ganho a mais. E, graças a Deus, fui bem recebido aqui na Paraíba. Está me fazendo bem, né? Estou aprendendo tudo por aqui. Estou me adaptando e me acostumando com o serviço”, afirmou.

A antiga escola que virou berço de artesãos

  • Rota do Couro: tradição faz moradores voltarem à Cabaceiras, e nova geração de artesãos é formada
    | Foto: Grace Vasconcelos
  • Adolescentes aprendem a trabalhar com artesanato em couro na Oficina dos Saberes
    Adolescentes aprendem a trabalhar com artesanato em couro na Oficina dos Saberes | Foto: Grace Vasconcelos
  • Os mais jovens começam afivelando as peças na Oficina dos Saberes
    Os mais jovens começam afivelando as peças na Oficina dos Saberes | Foto: Grace Vasconcelos
  • Adultos e jovens trabalham na Oficina dos Saberes
    Adultos e jovens trabalham na Oficina dos Saberes | Foto: Grace Vasconcelos

Na Oficina dos Saberes, uma nova geração de artesãos está sendo formada em Cabaceiras. Adolescentes e adultos se distribuem em mesas ao longo de um pátio coberto, dentro de um prédio que já foi uma escola.

Os antigos quadros verdes até continuam nas paredes, mas os livros e cadernos foram substituídos por máquinas de costura, ferramentas e retalhos de couro. Os mais jovens afivelam peças; os mais experientes colam, finalizam os acabamentos e costuram.

“Foi construída uma escola nova, e esse colégio tava indo abaixo. Sem ninguém. Aí, a prefeitura me ofereceu: ‘Olha, você com esse trabalho, você não quer ir lá para o colégio?’. Aí, peguei o desafio, ajeitei tudinho”, relembrou Luís Castro, que coordena a Oficina dos Saberes.


				
					Rota do Couro: tradição faz moradores voltarem à Cabaceiras, e nova geração de artesãos é formada
Luís Castro é o coordenador da Oficina dos Saberes. Foto: Grace Vasconcelos.

Luís Castro vem de uma família que sempre trabalhou com couro, mas percebeu que a tradição estava se perdendo entre os jovens, que cada vez mais deixavam o município em busca de novas oportunidades em São Paulo e no Rio de Janeiro. O projeto começou quando ele decidiu ensinar o artesanato aos próprios filhos, e outros pais também passaram a pedir que ele ensinasse aos filhos deles.

Hoje, 36 pessoas trabalham na oficina, incluindo oito jovens aprendizes, a partir dos 14 anos. Segundo ele, outras dez pessoas também começaram como aprendizes e decidiram continuar no local, além daquelas que optaram por abrir suas próprias oficinas. A procura pelo ofício é tão grande que Luís Castro afirma não dar conta de receber mais aprendizes.

Segundo Luís Castro, a Oficina dos Saberes produz entre 200 e 250 peças por dia. São 33 modelos diferentes voltados para vaqueiros e trabalhadores do campo, como calças de couro e casacos de proteção.

“Eu aprendi com nosso pai que a gente tem que ter qualidade. É isso que eu exijo muito dos alunos. Nosso couro é muito vendido por causa, graças a Deus, das cobras (que demandam uma proteção maior nas vestimentas dos vaqueiros). São bem grossos (os produtos), bem resistentes. Aqui não passa nada”, conta.

Débora de Souza Bezerra, de 42 anos, era trabalhadora doméstica e chegou a trabalhar em filmes na "Roliúde Nordestina". Com o fim do projeto, começou a trabalhar com couro em oficinas de familiares, até chegar à Oficina dos Saberes. No início, há três anos, a paraibana só colava peças. Hoje, ela conta que faz de tudo, menos costurar, e coordena a equipe de colagem.


				
					Rota do Couro: tradição faz moradores voltarem à Cabaceiras, e nova geração de artesãos é formada
Débora de Souza Bezerra, de 42 anos, trabalha na Oficina dos Saberes. Foto: Grace Vasconcelos.

A Oficina dos Saberes também é cenário das histórias de Márcio Cláudio e Luiz Porto. Foi ali que eles encontraram um novo recomeço: um retornando e o outro chegando de fora, em busca de oportunidades. Hoje, ambos ajudam a manter viva a tradição.

“Hoje essa turma toda estuda, pode fazer uma faculdade. Se quiser, pode ficar trabalhando, colocar uma oficina. Também tem muita gente que trabalha e estuda. Hoje eu valorizo muito isso. Valorizo bastante isso. Eu passei esses anos no Rio de Janeiro, mas eu sempre quis voltar para minha terra”, conta Márcio Cláudio.

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Grace Vasconcelos

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