POLÍTICA
Criada para salvar vidas, lei proíbe retenção de macas de ambulâncias
Norma é de autoria do deputado Raniery Paulino (PMDB). Pelos menos duas pessoas morreram no Estado em função de retenção de macas. MP que está tomando medidas para garantir cumprimento da lei.
Publicado em 27/11/2014 às 17:32
“No momento eu estou sem nenhuma ambulância. Sem UTI móvel, sem unidade básica. Eu tenho algumas com maca presa no Hospital de Trauma e as outras estão em ocorrência”, foi isso que a nora de Francisco Rodrigues ouviu ao ligar para o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) de Campina Grande. O homem sofreu um infarto em casa. A família esperou por três horas, o socorro não veio. Com o desespero, Seu Francisco foi colocado em um carro e levado ao hospital. Em vão. Ele acabou morrendo.
O caso aconteceu em julho passado e ganhou destaque nacional ao ser divulgado pelo programa Fantástico, da Rede Globo. A morte de Francisco Rodrigues poderia ter sido evitada com o cumprimento da Lei Estadual 9.608, aprovada pela Assembleia Legislativa da Paraíba e promulgada em 2011. A norma é de autoria do deputado Raniery Paulino (PMDB) e proíbe a retenção de macas das ambulâncias do Samu e de outras unidades de atendimento de urgência em hospitais e clínicas do Estado.
A lei foi criada para que vidas, como a de Francisco Rodrigues, não fossem perdidas por falta de assistência médica de urgência. “Na época (da elaboração) recebi diversas reclamações de que as ambulâncias ficavam impedidas de voltar para as suas bases porque tinham as macas presas nos hospitais. Dessa forma, elas não tinham como atender as pessoas e o atendimento é a função básica de uma ambulância”, diz o deputado Raniery Paulino ao explicar a proposta da matéria.
A 9.608 é uma das mais de 60 leis que tratam de saúde aprovadas pela Assembleia na atual legislatura, que teve início em 2011.O texto estabelece no parágrafo único, do artigo primeiro, que funcionários que prestam atendimento nas ambulâncias ficam proibidos de deixarem as macas nos locais para onde foram encaminhados os socorridos, sob pena de imputação de responsabilidade.
O deputado Raniery Paulino avalia que falta uma maior fiscalização para que a lei seja respeitada em sua plenitude. “O assunto é grave e infelizmente não tem sido cumprida, tenho informações que macas continuam sendo retidas. Eu já acionei o Ministério Público com relação a isso, para que haja um maior controle”, destaca.
Há alguns dias esse descumprimento da lei voltou a ficar explícito. O Samu de João Pessoa denunciou a ocorrência de retenção no Hospital de Emergência e Trauma da Capital. Em um final de semana, segundo a coordenação do órgão, 10 ambulâncias chegaram a ficar paradas no estacionamento da unidade hospitalar ao mesmo tempo.
A prisão de equipamentos do Samu no Trauma de João Pessoa causou a morte de uma outra vítima por falta de atendimento. Assim como Francisco Rodrigues, Jean Carlos Lopes da Silva, de 25 anos, morreu em julho. De acordo com a família, ele esperou pelo menos uma hora o atendimento de uma ambulância.
“Não aconteceram novas mortes [por falta de ambulâncias], mas o perigo de acontecer está aí”, alerta o coordenador-geral do Samu de João Pessoa, Márcio Gomes, ressaltando que a retenção de macas acontecesse quase que diariamente no Hospital de Trauma da capital paraibana.
Ambulâncias 'dormem' no hospital
Para Márcio Gomes, o problema com as macas ocorre porque a rede de saúde está superlotada e faltam leitos. Ele conta que já aconteceram casos dos equipamentos ficarem retidos em um dia e serem liberados apenas no outro
“A direção do Trauma tem sempre buscado ajudar, o problema é a superlotação. Ou aumenta a resolutividade dos casos ou o número de leitos”, afirma o coordenador do Samu pessoense. Ele avalia ainda que a situação é uma 'faca de dois gumes'. “Não se pode tirar o paciente da ambulância e deixá-lo no chão”, pontua.
Após morte, nova realidade em Campina Grande
Se em João Pessoa a retenção das macas continua ocorrendo, o mesmo não acontece em Campina Grande. Após a repercussão da morte de Francisco Rodrigues, a situação mudou. A Lei Estadual 9.608/2011 tem sido cumprida e as ambulâncias não mais têm ficado presas no Hospital de Emergência e Trauma de João Pessoa.
“Nos últimos meses isso melhorou bastante, praticamente não tem acontecido, só em situações muito esporádicas. A direção do Trauma conseguiu disponibilizar mais macas, mais leitos e o problema está praticamente sanado”, informa o coordenador médico do Samu de Campina Grande, Hermano Barbosa.
Ele explica que nos poucos casos registrados, as macas têm sido retidas por no máximo uma hora, quando antes era o dia todo. “É óbvio que o hospital não faz isso de propósito, faz porque não tem onde colocar as pessoas. Ainda bem que nesses últimos tempos isso deixou de ser recorrente”, completa.
No começo de novembro o Trauma de Campina Grande recebeu 14 novas macas da Secretaria de Saúde do Estado.
Ministério Público de olho para garantir cumprimento da lei
O deputado Raniery Paulino diz que sempre que constata leis da sua autoria sendo descumpridas tem acionado o Ministério Público. “Algumas vezes recebo respostas, outras não. No caso da lei 9.608/2011 o que me disseram foi que havia uma dificuldade de fiscalização”, afirma.
No entanto, a promotora da Saúde de João Pessoa, Maria das Graças de Azevedo, garante que o Ministério Público está de olho no problema da retenção das macas. Segundo ela, além da lei estadual existem portarias do Ministério da Saúde que proíbem a prática.
“Essa questão das macas nunca foi deixada de lado. Nós queremos e estamos buscando resolutividade, não pode ficar nesse coisa recorrente, que vem se arrastando, pois com isso há um prejuízo aos usuários”, reforça destacando a situação do Trauma da capital.
Maria das Graças conta que chegou a propor a assinatura de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) entre as secretarias estadual, responsável pelo Trauma, e municipal de Saúde, que tem responsabilidade pelo Samu, para solucionar o problema e garantir o cumprimento da lei. No entanto, a iniciativa não prosperou porque o secretário Waldson de Souza, do Estado, não assinou o documento.
Apesar das afirmações do Ministério Público e do Samu de João Pessoa , a direção do Trauma garante que não há retenção na unidade. Segundo a unidade, o que acontece é que em casos de pacientes graves e instáveis, o primeiro atendimento deve acontecer nos equipamentos das ambulâncias, e estas são liberadas o quanto antes. Este procedimento seguiria protocolo do Ministério da Saúde.
A promotora Maria das Graças promete notificar os secretários com a intenção de marcar uma audiência para discutir o assunto em dezembro. Caso não haja um consenso, ela diz que existe a possibilidade do Ministério Público entrar com uma ação civil para garantir que não mais haja retenção de macas no Trauma de João Pessoa.
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