COTIDIANO
Infância perdida no lixão
Cerca de 120 meninos e meninas, que trabalham no lixão de Campina Grande, fogem a essa realidade.
Publicado em 09/10/2011 às 8:00 | Atualizado em 26/08/2021 às 23:29
Na semana em que se comemora o Dia das Crianças, grande parte delas deve estar preocupada com o presente que irá receber na próxima quarta-feira, dia 12. Porém, cerca de 120 meninos e meninas, que trabalham no lixão de Campina Grande, fogem a essa realidade.
Muitos deles são levados ao local pelos próprios pais ou pessoas próximas, como vizinhos ou tios e ajudam no recolhimento e seleção de materiais recicláveis, que são vendidos para atravessadores e repassados para as empresas do setor.
Alan Queiroz da Silva, 10 anos, é uma destas crianças, que dividem a infância com a dura realidade de ser obrigado a frequentar o lixão. “Queria estar em casa brincando, mas meu pai me trouxe para olhar a carroça, enquanto ele cata o lixo”, revelou o pequeno, morador do bairro do Mutirão.
Além de estarem expostos a situações de risco, graças ao trabalho insalubre desenvolvido no local, estas crianças e adolescentes têm algo em comum: a falta de perspectiva de vida.
Com o olhar perdido, a voz embargada, muitos dizem não ter planos para o futuro. A menina Raquel Andrade, 13 anos, ao ser questionada sobre o que quer fazer quando crescer, não soube responder. “Não sei”, conta ela, cuja toda família retira o sustento no local. “Meus pais e dois irmãos trabalham aqui, gosto de trabalhar para ajudar meus pais”, disse.
Muitos fazem parte da segunda ou terceira geração de catadores, seguindo uma rotina de trabalho diária. Um exemplo é Fátima França, 35 anos, que há 20 trabalha selecionando lixo e há oito anos é acompanhada pela filha, Flávia Thayse França, 17 anos. “Trouxe ela uma vez comigo e desde esse dia, ela vem sempre”, diz Fátima, que já é avó de um bebê de dois anos.
Flávia conta que há três anos abandonou os estudos para se dedicar ao ofício de catadora. “Tiro R$ 50,00 ou R$ 60,00 por semana, não penso no meu futuro, só não quero que meu filho me siga, quero que fique em casa estudando”.
Os sonhos destes jovens são simples. Com apenas 15 anos, João Paulo da Conceição explica o que gostaria de ganhar no dia das crianças. “Uma bicicleta, porque as bodegas aqui são longe, era bom pra comprar o que minha mãe pede”, contou o menino, que também reside no Mutirão. Ele conta que deseja ser caminhoneiro: “Porque ganha dinheiro. Quero comprar uma casa pra botar minha família dentro”, disse, mostrando uma maturidade precoce.
Talvez tenha escolhido a profissão baseado nos caminhoneiros que visitam o local todos os dias, para levar o lixo. O movimento de carretas e carros de grande porte é intenso, ao vê-los chegar, ainda na entrada do lixão, começa a disputa entre os meninos, que rapidamente escalam os carros em busca do melhor material. É a lei da concorrência, imperando no mercado informal, do qual fazem parte.
José Terto, 68 anos, é motorista e pela primeira vez foi descarregar o caminhão no depósito. “Me senti péssimo ao entrar aqui, não sei como as pessoas convivem 24 horas com este mau cheiro. Ao ver as crianças, pensei logo nos meus netos. Tanta gente com muito e outros sem nada. O governo precisa fazer políticas públicas para beneficiar estas pessoas, caso contrário, elas nunca sairão dessa vida”, lamentou.
A vida não revela muita saída para estes jovens, que desde muito cedo, são “condenados” a trocarem a sala de aula pelo trabalho duro, deixando para trás a infância e perpetuando um ciclo de miséria e exclusão. Alguns ainda se permitem raros momentos de felicidade ao encontrar um objeto de “valor” no meio de toneladas de lixo. “Encontrei um celular bom, que uso todos os dias”, comemora João Paulo.
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