CULTURA
O baú de Raphael Rabello
Curto tempo de vida não impediu que violinista registrasse 23 discos.
Publicado em 28/10/2012 às 8:00
A chuva não foi empecilho para que Luciana e Raphael Rabello fossem à praia de Ipanema na virada de 1978 para 1979. Na volta para a casa, na rua Prudente de Morais, o rapaz de 16 anos disse à irmã: "Não vou chegar aos 33". A previsão se confirmaria em 1995, quando Raphael morreu, aos 32 anos.
O curto tempo de vida não impediu que o violonista nascido em Petrópolis (RJ) e profissionalizado aos 14 com o grupo Os Carioquinhas registrasse 23 discos, participasse de mais de 600 gravações e inscrevesse seu nome na história da música brasileira.
Na próxima quarta-feira, Raphael completaria 50 anos e, pela primeira vez depois de sua morte, a família do violonista abriu o baú de materiais deixados por ele.
Entre fotos, anotações de gravações, análises de composições, cadernos das aulas com Meira - violonista do antológico regional do Canhoto e professor de nomes como Baden Powell, João de Aquino e Mauricio Carrilho -, o que mais chama a atenção são partituras de oito temas inéditos de Raphael.
Desses, cinco foram escritos apenas pelo violonista, compositor e arranjador. A maioria é constituída por choros - gênero primordial na formação de Raphael. Entre eles, Insaciável, de 1978, em homenagem a Meira.
Do mesmo ano, mais dois choros: um com seu cunhado Paulinho da Viola e outro com o baixista Dininho e o pianista Cristóvão Bastos. De 1979, duas valsas: uma sem nome, feita com Afonso Machado, e outra, só dele, batizada de 'Aquela Ilusão'.
Um ano antes de morrer, o caçula de nove filhos (os outros oito estão vivos) deixou a inédita 'O Sorriso da Luciana', feita para a irmã. "Quero localizar vídeos do Rapha que só vejo por aí, no YouTube, e lançá-los num DVD", diz a cavaquinista, à espera de patrocínio para o projeto.
ESCOLA DO VIOLÃO
Revirando os arquivos de Raphael, no apartamento de Luciana, no bairro de Laranjeiras, no Rio, também estão seu marido, o compositor e escritor Paulo César Pinheiro, e sua irmã Amélia Rabello.
Cantora, Amélia é até hoje a principal intérprete da obra deixada pelo irmão em temas com versos. As canções, com letras de Paulo César Pinheiro e Aldir Blanc, foram lançadas apenas em 2002, no disco Todas as Canções. "Para o show, como o Rapha já tinha morrido, chamei uma banda. Só um violonista não daria. O violão dele era uma orquestra", diz Amélia.
Paulo César Pinheiro foi o responsável por inserir Raphael no circuito dos instrumentistas que gravavam os principais artistas do país. "Eu o levei para gravar com João Nogueira e com Clara Nunes. Na época, só dava o Dino", diz o compositor, citando Dino 7 Cordas, que era referência para Raphael, ao lado de Villa-Lobos, Dilermando Reis, Garoto, João Pernambuco e Meira.
Com a ascensão de Raphael, ele e Dino começaram uma competição sadia para ver quem gravava mais. "O Dino ficou com uma ponta de inveja. Os dois não paravam de gravar e popularizaram o sete cordas. Hoje, todo mundo toca", diz Pinheiro.
DIAGNÓSTICOS
Em seus 32 anos, Raphael recebeu dois diagnósticos precipitados. O primeiro veio aos seis. Sua mãe, Amélia, foi chamada à escola onde o filho estudava. Lá, ouviu da professora que o futuro virtuose tinha "problemas de coordenação motora".
O segundo veio no fim da vida. No dia 27 de maio de 1989, Raphael sofreu um acidente de táxi, no Leblon. De lá foi levado ao hospital Miguel Couto, onde recebeu nove pinos e uma placa no braço, que fora quebrado. De acordo com o médico, ele levaria seis meses para voltar a tocar - foram dois.
Ainda no hospital, passou por uma transfusão de sangue. Dois anos depois procurou um endocrinologista para emagrecer. Após análises, o médico lhe disse que o exame de HIV dera positivo.
A família crê que o resultado pudesse ser um falso positivo.
"Houve vários casos. Basta ver que a Rachel (filha do violonista), que nasceu em dezembro de 1990, não foi contaminada", diz Luciana.
Desesperado, Raphael iniciou uma corrida contra o tempo.
Encontrou na cocaína um meio para levar noites de trabalho em claro. Em 1995, pediu para ser internado. Em menos de uma semana, teve um surto de abstinência e foi sedado. Apagado pelos remédios, Raphael, que sofria de apneia, engasgou e morreu dormindo.
"Como toda pessoa que sofre de apneia, ele teria de estar acompanhado. Mas o enfermeiro não estava lá", lembra Luciana. "Não processamos ninguém. De que ia adiantar? Só queremos que os jovens se inspirem no Rapha e no que ele deixou."
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