COMUNIDADE
Lugar de Fala: movimentos sociais e expectativas para ministérios dos DH, Igualdade Racial e Povos Originários
Após posse de ministro e ministras que se comprometeram com a mudança, ouvimos integrantes de diferentes grupos para entender demandas centrais.
Publicado em 13/01/2023 às 16:08 | Atualizado em 20/01/2023 às 7:51
Houve um tempo, neste mesmo solo que chamamos carinhosamente de “nosso país”, que algumas “categorias” do existir eram vistas como sub-humanas. Não era apenas uma ausência de direitos, mas de humanidade. Gente tida como mercadoria, como objeto, como dejeto.
Me refiro a vários grupos e muitos momentos históricos. Nitidamente vem a escravidão a nossa mente, os quase 400 anos impondo crueldade e a mantendo na lei e nas prioridades econômicas. Os negros foram cristalizados como escória do imaginário brasileiro.
Não tão distante disso, para os povos indígenas o sofrimento foi imposto desde a primeira interação com outras civilizações. Na tentativa de proteger a vida, a cultura e o território, povos originários lutaram, na literalidade da dor, contra colonizadores que insistiam em tentar retirar toda subjetividade dessas populações. Genocídio que, graças ao recorte étnico explícito, podemos chamar de etnocídio.
Temos ainda as mulheres, postas como inferiores e ensinadas a viver num eterno segundo plano social. Se não formos brancas o abismo é ainda maior, até que por muito tempo sobrou a cozinha, o escárnio sexual e uma exigência monstruosa de subserviência.
Estendendo o recorte de gênero, hoje temos uma sigla para guardar todas as orientações e identidades que questionam a norma. LGBTQIA+ e o medo de ser, em pleno século 21, a única coisa que sabem e sentem. Medo fruto de um histórico violento e imparável quando o assunto é intolerância. E assim o Brasil foi se fazendo reduto de desigualdades e discriminações.
Este mesmo Brasil de dimensões continentais guarda uma diversidade populacional que contradiz os níveis de exclusão. É uma multiplicidade étnica, de gênero e classe que torna piada os pressupostos discriminatórios, mas não os impede. Assim, o único caminho de emancipação numa democracia é a criação de políticas públicas reparadoras.
2023 e a expectativa dos movimentos sociais
Antes que janeiro chegasse a metade mudanças significativas foram feitas. O presidente Lula sancionou esta semana uma lei que equipara as punições de injúria racial às de racismo, ambos os crimes se tornam imprescritíveis e inafiançáveis. A novidade foi comunicada no dia da posse de duas ministras que têm gerado muitas expectativas nos movimentos sociais.
A volta do Ministério da Igualdade Racial era aguardada por muitos integrantes do movimento negro. A última vez que a pasta teve representação foi na gestão de Dilma Rousseff, que na época tinha um Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial, da Juventude e dos Direitos Humanos.
Na gestão federal que começa este mês o ministério é liderado por Anielle Franco. Ela se formou em jornalismo nos Estados Unidos e em inglês e literatura na UERJ, escritora e diretora do Instituto Marielle Franco. Anielle é irmã da vereadora assassinada em 2018. A ministra assumiu afirmando, na posse, que com racismo não há democracia. Além disso, a carioca reverenciou seus ancestrais e afirmou que a sociedade brasileira é sedimentada em hierarquias raciais excludentes.
Para Mônica Vilaça, uma mulher negra, socióloga e ativista, o Ministério da Igualdade Racial terá demandas específicas deste momento histórico do Brasil.
“Uma necessidade é a construção de políticas públicas. Posso destacar a retomada da Fundação Palmares, dos processos de demarcação de terras quilombolas. Isso se conecta com a pauta de preservação do meio ambiente”, ressaltou Mônica.
A socióloga citou o racismo ambiental como um dos pontos que merece atenção governamental. O conceito trata do processo de discriminação sofrida por populações periféricas causado por degradações ambientais. Com o termo, ativistas frisam que os prejuízos não afetam todos da mesma forma, a periferia é historicamente mais impactada, além de ser composta, majoritariamente, por pessoas negras.
Em relação à Fundação Palmares, o órgão vivenciou muitas polêmicas no Governo Bolsonaro. A principal delas é que durante grande parte da gestão presidencial a fundação foi liderada por Sérgio Camargo. O diretor tinha uma relação caótica com ativistas negros e chegou, em diversos momentos, a reproduzir falas racistas. No Governo Lula foi confirmado o nome de João Jorge, presidente do Olodum, para liderar o órgão.
Outro ministério relevante para nossas discussões é o dos Direitos Humanos e Cidadania. Na gestão de Jair Bolsonaro a pasta era aglutinada com o Ministério das Mulheres, algo desfeito no atual governo. Sai Damares e entra Silvio Almeida, filósofo, escritor, palestrante, advogado e um respeitado intelectual negro.
No discurso de posse Silvio citou vários grupos tidos como minorias sociais, entre eles pessoas negras, indígenas, pobres, mulheres, pessoas LGBTQIA+, privadas de liberdade e outros. O ministro frisou que cada uma dessas pessoas tem valor para o ministério e garantiu políticas públicas inclusivas.
Entre as principais demandas, Silvio terá que lidar com a alta violência contra pessoas trans, altos índices de encarceramento e uma desigualdade social que atinge vários grupos.
Ministério dos Povos Originários: uma nova pasta para enfrentar antigos desafios
A maior novidade do governo Lula é um ministério criado para atender comunidades indígenas. A ministra é Sônia Guajajara. Conhecida internacionalmente por seu ativismo pelas questões climáticas, destacou isso no discurso de posse. Falou, ainda, que o Brasil é uma terra indígena e que vai fortalecer a memória ancestral. Entre as principais demandas, o ministério dos povos originários precisa lidar com crimes ambientais que destroem o território e ameaçam, com violência, a vida das comunidades.
Bruno Potiguara é ecólogo e indígena do Litoral Norte da Paraíba, para ele um dos principais avanços das populações através da pasta é a conquista de visibilidade, ele acredita que antigas pautas poderão caminhar. A principal é a demarcação de terras, problema antigo dos povos originários no Brasil.
É importante lembrar que, nos últimos anos, um fantasma assombra as comunidades aldeadas: o Marco Temporal. A tese prevê que sejam reconhecidos aos povos somente as terras ocupadas por eles na data de promulgação da Constituição Federal, 5 de outubro de 1988. A polêmica virou projeto de lei e as populações seguem alertas e em constante protesto.
Em relação ao antigo governo, ainda na campanha Jair Bolsonaro informou que demarcação de terras indígenas e quilombolas não era uma prioridade. Durante a transição, o presidente Lula criou um Grupo de Trabalho que encontrou, inicialmente, 40 terras de povos originários para serem demarcadas. Os conflitos tendem a ser abordados, agora, por um ministério que poderá lidar, exclusivamente, com todas as problemáticas.
O que resta, aos que acompanham as movimentações governamentais, é aguardar os próximos passos para saber se as promessas serão cumpridas e novas políticas de inclusão criadas. O que não se pode negar é que sai um cenário em que os movimentos sociais vivenciavam conflitos com as lideranças políticas e entra um contexto em que os três ministros têm o respeito de muitos ativistas das áreas.
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