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COTIDIANO

Aniversário do atentado reaquece mercado editorial

Editoras acreditam que nesses últimos dez anos o interesse por livros que tratam do tema aumento pelo mundo.

Publicado em 11/09/2011 às 8:00 | Atualizado em 26/08/2021 às 23:29

Thaís Romanelli (Opera Mundi)

Os dez anos subsequentes aos atentados de 11 de Setembro foram a fonte para muitos documentários e produções culturais. Naturalmente, o mercado editorial também não ficou à margem. Nesse período, aumentou pelo mundo o interesse por livros que tratassem não só diretamente do tema, como também sobre suas consequências – desde as guerras até as transformações da sociedade. Os ataques também despertaram o interesse mundial pelas culturas árabe e islâmica. O que, no entanto, não contribuiu para que os preconceitos em torno desses dois universos se dissipassem.

"Com o 11 de Setembro, o mundo árabe virou pauta. Apesar de ser abordado negativamente na maior parte dos casos – sendo relacionado a termos como terrorismo, extremismo e violência –, despertou o interesse de muita gente sobre o que até então era desconhecido", explicou a diretora do Centro de Estudos Árabes da USP, Arlene Clemesha.

Com isso, o que era visto com exotismo e até mesmo estranheza passou a despertar atenção de olhares curiosos e, consequentemente, uma maior demanda de produtos. Procuradas pela reportagem, as editoras Companhia das Letras, Globo, Boitempo e Nobel confirmaram que, desde 2001, foram lançados mais livros relacionados a temas ligados à cultura árabe (inclusive sobre sua literatura), ao terrorismo e ao imperialismo. Também notou-se um maior número de traduções e reimpressões, com mais frequência e em maior escala de exemplares.

"A imprensa internacional vem, há décadas, principalmente depois do 11 de Setembro, reproduzindo um discurso lançado pelos EUA na sua guerra ao terror que cria uma identificação quase automática de termos como “árabe” ou “islâmico” com “terrorista”. O que não é verdade", argumenta Clemesha.

Para ela, é necessário procurar informações que abordem esse universo sob uma ótica histórica, e com mais aprofundamento para evitar estereótipos e deturpações. Um dos exemplos, em sua opinião, de obras literárias que tomaram esse cuidado foi Globalização, Democracia e Terrorismo, de Eric Hobsbawm (Companhia das Letras). Nele, através de elementos da política internacional contemporânea, como o imperialismo, a democracia e o poder dos mercados e da mídia, o historiador inglês aponta a "barbarização" da sociedade a partir da tecnologia, da atividade econômica e da globalização.

Sem poupar críticas ao governo dos EUA tanto em âmbito econômico quanto político, Hobsbawm apresenta a ideia de que a sociedade contribui para o crescimento das desigualdades econômicas e sociais, além dos desequilíbrios ambientais e políticos.

Livro aborda política externa dos EUA

Com a aproximação do décimo aniversário dos atentados, o aumento da procura de obras relacionadas ao episódio tornou-se natural, e provocou uma série de relançamentos recentes. Entre os principais títulos relançados está “11 de Setembro”, do linguista e ativista político Noam Chomsky. A obra considerada como uma das completas para explicar o atentado e a consequente guerra contra o terror.

O livro, que foi publicado originalmente um mês depois dos ataques, reúne uma série de entrevistas concedidas pelo próprio autor, nas quais relata o contexto em que os atentados ocorreram, apresentando um olhar crítico sobre a política externa dos EUA.

Outra proposta de reflexão sobre os ataques é a análise “Bem-vindo ao Deserto do Real”, do filósofo esloveno Slavoj Žižek, que destrincha a sociabilidade contemporânea para desvendar as articulações que, de alguma forma, contribuíram para a guerra ao terror.

No livro, o autor questiona a atuação da esquerda internacional no período posterior aos atentados de 2001 e promove uma reflexão sobre a chamada “democracia liberal” como justificativa para o "combate ao fundamentalismo".

Por sua vez, “Estado de Exceção”, do filósofo italiano Giorgio Agamben, expõe as áreas mais obscuras do direito e da democracia. Seu objetivo era mostrar como o Estado usa dispositivos legais para suprimir os limites da sua atuação e até mesmo modificar as situações conforme seus interesses. Crítico ao governo norte-americano, o livro analisa o mundo globalizado e a sociedade transformados pelo 11 de Setembro.

Tanto 'Bem-vindo ao Deserto do Real' quanto 'Estado de Exceção' foram reimpressos pela Boitempo Editorial, também neste mês.

Bastidores

Outra obra que desperta interesse é “Cadeia de Comando – A Guerra de Bush – Do 11 de Setembro às Torturas de Abu Ghraib”. Escrito pelo jornalista Seymour Hersh, do jornal The New York Times. A obra retrata de forma crua os bastidores do conflito, analisando o primeiro escalão do governo de George W. Bush e dos militares que o cercavam.

Na narrativa, o autor denuncia inúmeras violações de direitos humanos, como a tortura de detentos da prisão de Abu Ghraib, no Iraque. Entretanto não esquece que os atentados serviram como pano de fundo e estopim para guerras. Para ele, os combates ao terrorismo e às armas químicas foram só um pretexto para permitir que Bush invadisse o Afeganistão.

Ataque presente em obras de ficção

No campo da ficção, os autores demoraram um pouco para abordar as questões suscitadas pelo tema. Entretanto, não desperdiçaram a ocasião deste ano. Em “The Submission”, por exemplo, a autora Amy Waldman, que é ex-jornalista do New York Times, imaginou o que teria acontecido se um júri encarregado de selecionar o projeto para o memorial do Marco Zero tivesse escolhido um projeto de um arquiteto norte-americano muçulmano.

Uma das primeiras obras ficcionais sobre o 11 de Setembro a ser lançada e a chegar ao Brasil foi o romance “Windows on the World”. O livro é polêmico pelo teor sarcástico da narrativa do autor, o francês Fréderic Beigbeder. Na história, David Carthew é um pai divorciado que passa suas duas últimas horas em um almoço com os filhos no restaurante panorâmico que ficava no topo de uma das torres. Por meio de seu individualismo e da grande preocupação com sua saúde financeira, Carthew representa a sociedade norte-americana, fadada a desmoronar junto com as torres.

Já em “Extremamente Alto e Incrivelmente Perto”, da norte-americana Jonathan Safran Foer, é a inocência de um menino de 9 anos que conduz a narrativa. Oskar, que perde o pai no atentado encontra no bolso do terno dele uma chave. A partir de então, ao lado do avô, sai pela vida curioso, em busca de um sentido não apenas para o seu achado, como também para a própria perda do pai.

O tema também serviu de inspiração para autores brasileiros. Em “Um Terrorista no Pampa”, do gaúcho Tailor Diniz, a história gira em torno de um empresário do interior do Rio Grande do Sul que, por engano, é dado como morto após ter dito a todos que visitaria as Torres Gêmeas – bem no dia do ataque. Ao perceber sua situação, ponderou que, como estava em uma situação financeira muito ruim, deveria ficar nos Estados Unidos mesmo. Tempos depois, ao voltar para sua cidade, é confundido com um terrorista.

Terrorismo à americana

O ataque realizado por um militar norte-americano à base militar de Fort Hood, no Texas, em 2009, é o ponto de partida para o pesquisador J.M. Berger, autor do livro “Jihad Joe”. O autor aborda um tema espinhoso: os casos de norte-americanos que se envolveram em terrorismo contra os próprios EUA.

Para Berger, o atentado de Fort Hood, em que 13 pessoas morreram, evidenciou a nova estratégia da Al Qaeda. Desde o 11 de Setembro de 2001, o grupo passou a contar com norte-americanos que agem sozinhos e se consolidam como um dos principais riscos à segurança dos EUA e ao "combate ao terror".

No livro, o pesquisador conta as estratégias da rede terrorista e analisa de que forma o imperialismo dos EUA e a guerra ao terror culminaram em um sentimento de antiamericanismo que inspirou até mesmo alguns próprios norte-americanos.

Obra é censurada pela CIA sob alegação de comprometimento à segurança

Lançado por um antigo agente do FBI (polícia federal norte-americana) que ocupou durante anos posição de destaque na luta contra a Al Qaeda, o livro The Black Banners: The Inside Story of 9/11 and the War Against al-Qaida (As Faixas Pretas: a história dos bastidores do 11/09 e da guerra contra a Al Qaeda, em tradução livre), foi censurado neste mês pela CIA. A agência de Inteligência dos EUA exigiu cortes em determinados trechos sob alegação de comprometimento à segurança.

O livro de Ali Soufan oferece uma descrição detalhada do caminho tomado pela CIA na direção de tratamento brutal dos prisioneiros sob interrogatório. O autor afirma que os métodos violentos utilizados contra o primeiro prisioneiro importante capturado pelos norte-americanos no combate ao terrorismo, Abu Zubaydah, foram desnecessários e contraproducentes. Zubaydah era um organizador de operações terroristas e líder de um campo de treinamento.

Entre os trechos censurados estão fragmentos do depoimento de Soufan ao Senado em 2009 sobre a atuação da CIA. E também a remoção dos pronomes "eu" e "meu" de um capítulo no qual Soufan descreve seu papel no interrogatório de Zubaydah.

Além disso, também foram vetadas todas as referências a uma foto de passaporte de Khalid al Mihdar, que se radicaria em San Diego e se tornaria um dos sequestradores de avião durante o 11 de Setembro, que foi enviada à CIA em janeiro de 2000.

Para o autor, os cortes não tinham por objetivo proteger a segurança nacional, mas sim impedi-lo de relatar episódios que, em sua opinião, mostram a CIA sob uma perspectiva desfavorável.

Em entrevista à imprensa norte-americana, Soufan disse que os agentes de combate ao terrorismo têm a obrigação de admitir abertamente que “cometeram erros e expuseram o povo norte-americano a riscos”.

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Jornal da Paraíba

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