COTIDIANO
Arquiteto paraibano conta um pouco da história de João Pessoa a partir de seus períodos arquitetônicos
Na data em que se comemora oficialmente o aniversário da cidade, um pouco de sua história por outra perspectiva.
Publicado em 05/08/2023 às 18:19 | Atualizado em 05/02/2024 às 17:02
Três ruas. Quando a cidade finalmente ganhou forma, depois de tantas batalhas e impasses em relação à conquista da Paraíba, tudo se resumia a três ruas. E beleza. Qualquer cidade de fato começa de um ponto de origem. Mas o detalhe curioso é que João Pessoa, que ao menos oficialmente completa 438 anos de fundação neste sábado (5), permaneceu concentrada nessas poucas ruas centrais durante muito tempo. Muito tempo mesmo!
Quem conta um pouco dessa história é o arquiteto paraibano Fabiano Melo, ex-presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil na Paraíba e atual conselheiro federal do Conselho de Arquitetura e Urbanismo.
É ele quem sugere pensar as cidades não apenas pelos seus prédios e estilos, mas principalmente pelas suas ruas e quarteirões, pelos seus espaços públicos, sugerindo uma escala mais urbana que segundo ele tem a potência de demonstrar as diferentes épocas de formação de uma cidade.
De acordo com Fabiano, João Pessoa tem uma característica peculiar com relação a outras cidades do Nordeste, porque ela não nasceu a partir da praia.
Os marcos zeros de Salvador e Recife estão no litoral, mas João Pessoa tem a peculiaridade de ter começado no Varadouro e no Porto do Capim”, destaca Fabiano.
Diante disso, ele diz ser possível definir diferentes “períodos arquitetônicos” que possibilitam pensar João Pessoa de uma forma muito mais ampla.
O início de tudo
Fabiano Melo propõe pensar a arquitetura de João Pessoa a partir de marcos históricos, destacando que cada um desses momentos teve o potencial de modificar o jeito em que a cidade se transformava.
Quando a gente vai falar em cidade, é mais interessante entendê-la através do tempo como um fenômeno coletivo. É pensar a formação de João Pessoa através da arquitetura e do urbanismo”, comenta.
O primeiro desses marcos, a propósito, é ainda dos tempos de colônia, em que a cidade se resumia às ruas Nova, Direita e da Cadeia.
Verdade, o leitor não deve nem entender do que se está falando. De toda forma, essas três ruas é o que hoje se conhece, respectivamente, como sendo General Osório, Duque de Caxias e Visconde de Pelotas.
São nomes militares que foram sendo dados ao longo dos séculos e que, justo por causa disso, pode esconder a origem antiga dessas vias:
“O núcleo urbano da cidade era ali” destaca Fabiano.
Ele explica que até existia um pouco mais de cidade. A Casa da Pólvora e o Porto do Capim, por exemplo, já existiam, mas naquela época ninguém morava lá.
“Estamos falando do período colonial brasileiro, que coincide com o barroco nas artes. São casas sem recuos, coladas uma na outra, com telhas com eira e beira. O que hoje é a Academia Paraibana de Letras é o exemplar perfeito dessa época. Um casarão colonial puro sangue”, comenta.
Essa cidade pequena, concentrada, mínima, durou mais de 200 anos. E mesmo quando foi modificada e ampliada, foi aos poucos.
O arquiteto paraibano explica que, quando acontece a independência do Brasil, em 1822, há uma tendência no país de distanciar o Brasil dos antigos colonizadores. E uma das formas de conquistar isso está justo na forma de enxergar as cidades.
O estilo neoclássico surge para distanciar João Pessoa e as demais cidades do Brasil da época de colônia”, continua Fabiano Melo.
Anos depois, vem a Proclamação da República e mais uma tentativa de deslocamento, desta vez do Brasil Império. A cidade vai receber edificações no estilo eclético e depois no estilo neocolonial. Ainda assim, explica Fabiano, a grande curiosidade sobre João Pessoa é que, mesmo diante de algumas ampliações e modificações arquitetônicas, a cidade permanecerá concentrada no Centro.
No período neocolonial, entretanto, a mudança já é mais radical: “É apenas no início do século 20 que podemos registrar eixos de expansão do Centro Antigo. E aí a arquitetura já é bem diferente. Casas soltas no lote, com grandes jardins, com influências da belle époque”, pontua.
São duas as construções que surgiriam na cidade apenas na primeira metade do século 20 e que modificariam de forma mais radical o jeito de se pensar a cidade de João Pessoa. A Lagoa do Parque Solon de Lucena e, depois, a avenida Epitácio Pessoa.
Mais ou menos paralelo a isso, surge o modernismo, principalmente depois da antropofagia proposta pela Semana de Arte Moderna de 1922. “A ideia era esquecer tudo e construir tudo de novo”, brinca.
Do modernismo, a propósito, ele cita o Liceu Paraibano e o Dezoito Andares. Esse último, aliás, localizado na mesma General Osório que faz parte da origem da capital paraibana. “As coisas vão se misturando com o tempo”, justifica.
Diáspora para a praia
A mais radical mudança da cidade, ainda assim, surge mesmo com a construção da avenida Epitácio Pessoa e, depois, com a sua modernização enquanto via de acesso ao litoral. Isso porque, antes, a cidade estava concentrada no Centro e dali não se ampliava. Algo que vai mudar, principalmente, a partir da segunda metade do século 20, num fenômeno que, como pode ser percebido, é extremamente recente.
A segunda metade do século 20 vai ser marcada pela expansão para a praia”, define.
É quando surge muitos dos outros bairros pessoenses. “A orla surge primeiro como balneário e depois como primeira moradia”, completa Fabiano.
É deste período, inclusive, que surge nomes como Sérgio Bernardes, um grande ícone da arquitetura moderna e que em João Pessoa vai assinar projetos como o do Hotel Tambaú e o do Espaço Cultural.
Ditadura e periferia
Fabiano Melo explica ainda que a eclosão do Golpe Militar de 1964 e a Ditadura Militar que se seguiu a partir daí vai trazer igualmente consequências para a forma de enxergar a cidade. De certa forma, esse período poderia ser visto como mais um “período arquitetônico” da cidade. Que tem traços modernistas, mas extremamente precários.
É quando, de acordo com ele, acontece uma “expansão urbana sem muito planejamento”, que coincide também com a urbanização e a industrialização do resto do país e com uma certa inversão populacional que migra do rural para o urbano.
Ele explica que, naquele período, foi criado o Banco Nacional da Habitação, cuja marca perversa foi ter mantido grandes vazios territoriais para a especulação imobiliária futura e ter transferido a população pobre para longe do centro urbano. É quando nasce os bairros periférico de João Pessoa. Não à toa, muitos ganham nomes ligados aos militares.
“É a época dos grandes conjuntos habitacionais periféricos”, explica.
Enquanto isso, bairros como os Bancários, ainda quase que totalmente vazio, ficavam à espera da especulação imobiliária. “O BNH transforma terra barata em terra cara e joga para longe a população mais pobre”, finaliza.
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