COTIDIANO
Barbáries deixam marcas na memória dos paraibanos
Mesmo com punição de culpados por crimes cruéis, revolta vem à tona na memória da população de Sumé, Queimadas e João Pessoa.
Publicado em 03/01/2016 às 12:00
Histórias tristes que jamais serão esquecidas pelos paraibanos. Crimes com relatos que chegam a ser difíceis de se acreditar devido à crueldade com que foram cometidos. Nos últimos seis anos, três crimes, que chocaram a Paraíba, fizeram o Estado ter um destaque indesejável no Brasil: a “Chacina do Rangel”, em João Pessoa, a “Barbárie de Queimadas” e o “Ritual de Magia Negra em Sumé”. Mesmo com a punição de todos os acusados envolvidos nestes três crimes, o sentimento de revolta mudou a vida dos moradores dessas cidades e abalou a rotina das famílias que foram destruídas, que ainda choram ao relembrar os fatos.
Casos assim não são comuns no Estado e podem deixar sequelas na população por longos anos. O fato de serem crimes inesperados é o que gera o choque na sociedade, como explica o professor doutor em ciências sociais Vanderlan Silva. “A verdade é que as pessoas sequer imaginavam que isso aconteceria um dia e, pelo impacto, provoca esse sentimento de tristeza, ou uma grande revolta. O tempo ajuda a diluir, mas estes casos ficarão como marcos nas histórias dessas cidades, principalmente nos casos que ocorreram no interior do Estado, já que fere os valores tradicionais mais preservados nesses municípios. Algumas gerações demorarão para se recuperar do pânico”, acredita.
“Quando a gente lembra do fizeram com o Everton Siqueira aqui em Sumé, fica até difícil falar. Saber que a própria mãe teve envolvimento com a morte foi o mais impactante. O crime causou um grande choque em todos os moradores porque nunca havia acontecido algo desse tipo aqui. Sumé é uma cidade tranquila. A prova disso é que a maior parte dos envolvidos são de fora. No início, quando foi divulgada a suspeita de um ritual de magia negra com as crianças, os pais tiveram medo de que outras crianças fossem usadas para isso. No primeiro momento, as mães temiam até deixar os filhos na rua”, disse o morador da cidade e conselheiro tutelar João Carlos.
Em Queimadas, no Agreste paraibano, desde o estupro coletivo que terminou na morte da recepcionista Michelle Domingues e a professora Izabele Pajuçara, a população da cidade teve a rotina alterada. Para os moradores, o crime destruiu a convivência na cidade, pois envolveu várias famílias, que até então viviam em harmonia. Sem querer se identificar, uma professora de 31 anos, que mora no município, conta como Queimadas está.
“A cidade relembra sempre do crime com saudades das vítimas e ainda sente pelos familiares e fica uma preocupação até com a família dos acusados, pois não tiveram culpa pelos erros deles. É triste saber que Queimadas ficou conhecida no Brasil inteiro por isso. Já se passaram três anos e os adolescentes estão livres. Dois deles saíram do estado e um vive em Queimadas e anda tranquilamente pela cidade. É notável os olhares e comentários das pessoas por onde ele passa. A gente sabe que isso não é algo que ficará se repetindo, mas, hoje quando se fala em festas particulares em casas as pessoas logo repudiam isso, pela lembrança de que os abusos aconteceram durante uma festa de aniversário e com pessoas bem próximas”, frisou ela.
“O primeiro momento é de desalento e incompreensão, por ser algo que foge do comum. Isso produz nas pessoas uma reflexão geral da existência humana, e sobre o que leva uma pessoa a fazer isso. Por essas incompreensões, surge a revolta e luta por leis mais duras para que os autores do ato tenham uma punição maior. A situação é mais complicada para as crianças, mas, de certa forma ajuda a mostrar a maneira complexa como o ser humano pode agir. Este caso de Queimadas casou aquele impacto de “o perigo mora mais próximo”, por envolverem pessoas conhecidas”, destacou o sociólogo Vanderlan Silva.
Em João Pessoa, todos os dias o vendedor autônomo José Milton Paiva, 53 anos, passa pela casa onde aconteceu a “Chacina do Rangel” e relembra o crime e os momentos de desespero quando a família foi encontrada morta. Morador da mesma rua onde o crime aconteceu, passados seis anos, hoje ele diz que os outros residentes conseguiram voltar a rotina normal, mas as lembranças são frequentes.
“Não tem como esquecer. Apesar da casa ter sido demolida para a construção de uma capela, sempre que olhamos para o terreno voltam as lembranças das crianças brincando na rua felizes e depois as cenas tristes que vivenciamos. Eu fico mais triste ainda porque o nosso projeto era construir a capela no lugar da casa onde tudo aconteceu, mas a obra está parada”, disse ele.
RELEMBRE OS CASOS.
SUMÉ. No último dia 11 de outubro, Everton Siqueira da Silva, 5 anos, foi assassinado com requintes de crueldade em um ritual de magia negra e teve todo o sangue retirado, na cidade de Sumé, no Cariri paraibano. Segundo a investigação da Polícia Civil, o objetivo dos autores do crime era realizar uma oferenda espiritual com o sangue da criança. Mais surpreendente que o crime foi a elucidação dele, que confirmou a participação da própria mãe da vítima, Laudenice dos Santos Siqueira; o padrasto, Joaquim dos Santos; o amigo do padrasto, Denivaldo Santos Silva; um amigo da família Wellington Soares Nogueira, que dizia ser um pai de santo. Na época a polícia ainda chegou a prender o deficiente mental João Batista, que foi apontado com autor do crime pelo padastro. Joaquim dos Santos matou João Batista dentro da cela do presídio de segurança máxima, PB1, em João Pessoa, um dia após chegar ao local, e só depois a polícia constatou que o deficiente não teve participação no crime. A irmã de Everton, uma menina de 9 anos, também seria morta, mas conseguiu fugir.
QUEIMADAS. O crime aconteceu entre a noite do sábado e a madrugada do domingo, dia 12 de fevereiro de 2012, e foi premeditado 15 dias antes. A barbárie teve como mentor o acusado Eduardo do Santos Pereira. O estupro das vítimas seria um presente de aniversário para o irmão dele, Luciano Pereira dos Santos. Dez homens combinaram que durante a festa de aniversário, três deles apagariam o sistema de energia da casa e invadiriam o local, com máscaras de carnaval, se passando por assaltantes, para poder render as vítimas e depois que elas fossem amarradas e vendadas todos iriam estuprá-las. No momento dos abusos, duas delas reconheceram Eduardo e foram assassinadas a tiros. Uma terceira vítima também reconheceu os acusados, mas ficou em silêncio e se tornou a principal testemunha para a elucidação do crime.
JOÃO PESSOA. Às 2h do dia 9 de julho de 2009, quando Carlos José Lima Filho invadiu uma casa no bairro Rangel, em João Pessoa, e matou cinco pessoas de uma mesma família a golpes de facão. Foram mortos José Soares Filho, 33 anos, Divanice Lima dos Santos, 35 anos, que estava grávida de gêmeos, e ainda os filhos Raíssa dos Santos Soares, 2 anos, Rair do Santos Soares, 4 anos, Raquel dos Santos Soares, 10 anos. Na época, apenas um dos filhos de 11 anos conseguiu sobreviver, pois se escondeu embaixo de uma cama. Uma outra filha do casal não estava na residência. O assassino, réu confesso, disse que cometeu o crime por causa de uma briga entre seus filhos e os filhos dos vizinhos assassinados. Carlos José Lima Filho foi condenado a 116 anos de prisão. Já a esposa dele, Edileuza Oliveira dos Santos, foi condenada a 120 anos e 10 meses de prisão, pois também participou do crime.
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