COTIDIANO
Copa do Mundo é marcador de tempo. Quantas copas veremos?
Publicado em 15/07/2018 às 6:37 | Atualizado em 30/08/2021 às 23:38
Na Copa do Mundo de 1962, eu tinha três anos. Claro que não lembro do evento. Mas há uma imagem guardada na memória. Essas coisas remotas que a gente consegue reter, apesar da pouca idade.
Do terraço, vi um carro preto estacionado na frente da casa, cheio de penachos, e muita gente ao redor. Havia um caixão de madeira, escuro e comprido, sendo levado para o carro - algo que eu nunca vira.
Perguntei o que era aquilo, e minha mãe respondeu:
É a Copa do Mundo!
Não era, obviamente. Era o cortejo fúnebre da nossa vizinha, uma velhinha que me dava bolachas cream cracker, a quem eu chamava de Quequena. Minha mãe achou por certo que era cedo para me colocar em contato com a morte.
O dia - fiquei sabendo anos depois - era 17 de junho de 1962. No Chile, o Brasil conquistava o bi.
Os fogos da vitória - também só soube muito mais tarde - eram ouvidos na chegada ao cemitério.
Será que vem daí a minha falta de interesse pelo futebol?
Terei feito alguma associação entre o futebol e a morte?
Que relação isso tem com a minha (nossa) dificuldade de lidar com a morte?
A Copa do Mundo se transformou, para mim, num marcador de tempo.
Sempre acompanhei com grande atenção. Não somente porque sou jornalista e devo estar informado sobre um evento dessa dimensão. Mas, sobretudo, pelas conexões que faço com o momento em que cada copa acontece.
A última copa antes disso, a primeira copa depois daquilo. Um marcador de tempo diferente dos usuais. Mais lento. Quatro anos de intervalo entre uma e outra. Quatro anos de espera. Tudo tão fugaz.
Com a morte no meio.
Quequena se foi na copa de 1962. Em seguida, moramos por 33 anos na casa que foi dela.
Minha mãe morreu no meio da copa de 1994. No velório, as pessoas se desculpavam e falavam do próximo jogo do Brasil.
Um colega de redação morreu num acidente de carro no dia em que a França eliminou o Brasil, na copa de 1986.
João Saldanha, a quem eu tanta admirava, foi cobrir a copa de 1990 e voltou morto.
Cazuza morreu na copa de 1990.
O sertanejo Leandro, na de 1998.
Chico Xavier, no dia em que o Brasil foi penta.
Observo as pessoas mais velhas perguntando se estarão vivas na próxima Copa do Mundo. Eu também me pergunto, faz tempo.
Não costumo torcer. Penso que o brasileiro deveria torcer menos e não se enganar tanto. Mas admiro o talento em campo. Os grandes conjuntos, os grandes craques.
Não sei fazer prognóstico. Muito menos dizer qual vai ser o placar. Isso foge à lógica e à razão que me guiam.
Na decisão da Copa da Rússia, neste domingo (15), prefiro a França à Croácia.
Tenho mais afinidades com o que os franceses legaram ao mundo.
Pouco me importa o que eles já fizeram com o Brasil em outras copas.
Não enxergo as coisas assim.
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