COTIDIANO
Crianças com excesso de peso lutam contra 'vontade de comer besteira'
33% entre 5 e 9 anos e 20% entre 10 e 19 anos estão acima do peso. Em São Paulo, ONG ajuda na reeducação sobre hábitos alimentares.
Publicado em 28/08/2010 às 12:11
Do G1
José Ricardo da Silva Barbosa, de 12 anos, começou a engordar aos 3 anos de idade. A família achava que ele era apenas gordinho, que não havia problemas. O pediatra, porém, alertou a família sobre os perigos do excesso de peso.
"Ele comia muito fora do horário, bastante besteira, bolacha, e não costumava fazer atividades. Ficava sentado na frente da televisão. Só fazia exercício na escola. Não chegou a ter problema de saúde, mas se continuasse como estava, poderia ter",
conta a avó Cleuza.
José Ricardo hoje pesa 58 quilos e está acima do que deveria, de acordo com a especialista que o acompanha. O menino diz que é "difícil" emagrecer. "Sinto vontade de comer besteira, sinto falta das frituras, de coxinha", contou ao G1. A avó afirma que foi complicado fazê-lo abandonar o hábito de comer sempre com farofa como acompanhamento. "Ele gostava muito, mas não pode."
Pesquisa divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostrou que quase metade da população brasileira (49%) com 20 anos ou mais está com excesso de peso. Entre as crianças de 5 a 9 anos, uma em cada três (33,5%) tem excesso de peso e 14,3% são obesas. Já entre os adolescentes de 10 a 19 anos, 20,5% têm excesso de peso e 4,9% apresentam obesidade.
A irmã de José Ricardo, Larissa, de 14 anos, também briga com a balança. O problema deles não é genético, segundo a avó. Ela chegou a pesar 94 quilos. Em dois anos, desde que entrou em um projeto para ajudar crianças e adolescentes obesos, emagreceu 20 quilos. Hoje está com pouco mais de 76 quilos, ainda acima do considerado normal para sua idade. "Estou me sentindo bem melhor agora", conta Larissa, que afirma que tenta comer em menor quantidade os alimentos que engordam.
A avó afirma que a mudança nos hábitos alimentares da neta foi radical. "Antes ela comia quatro pedaços de pizza, agora come um e meio. Ela gosta de comer besteira, mas sabe que não faz bem."
Júlia Lavorenti tem 10 anos e pesa 53 quilos. Ela está acima do peso. A avó Maria Morena Lopes conta que a menina começou a engordar aos 6, 7 anos. "Ela comia certinho, na hora do almoço. A gente não dava besteira. Mas depois que a irmãzinha nasceu, acho que ela ficou com ciúme e começou a comer doces escondida. Ela subia nas cadeiras da cozinha e comia escondida bolacha, chocolate, brigadeiro.
Chegava a esconder os papéis do chocolate para a gente não brigar. Cheguei a suspeitar que tinha tireóide, mas não era. Ela foi engordando aos pouquinhos", conta a avó.
A saída para ajudar Júlia foi cortar as besteiras. "Na lancheira da escola, a mãe só coloca lanche natural, fruta, todos os dias."
Projeto
José Ricardo, Larissa e Júlia participam das atividades do Instituto Movere, na Zona Leste de São Paulo, que ajuda crianças e adolescentes de baixa renda que lutam contra a obesidade. Em atuação desde 2004, o projeto atua para reeducação dos hábitos alimentares e incentivo a atividades físicas. Três vezes por semana, as crianças participam das atividades, que inclui aula de culinária com alimentos saudáveis.
A presidente da entidade Vera Lúcia Perino Barbosa, especialista em Nutrição Infantil, diz que os pais não devem proibir alimentos gordurosos, mas sim controlar a quantidade. "Tudo o que se proíbe é mais gostoso. Sentindo falta de coxinha, pode comer. Faz um dia da coxinha em casa, duas para cada pessoa da família. Não pode é todo dia. É preciso controlar a quantidade e incentivar a prática esportiva."
Vera afirma que o excesso de peso deve ser controlado o quanto antes para evitar problemas cardíacos precoces.
A nutricionista conta que o projeto tenta mostrar aos pais que eles são fundamentais para a mudança da cultura que favorece o aumento das crianças acima do peso.
"Não se pode falar que os pais tenham culpa. Mas em muitos casos os pais suprem a falta de tempo com alimentos. Trocam o afeto, o carinho, por alimento. É preciso mudar esses pré-conceitos. Não posso levar um livro e ler junto com o meu filho?", comentou a nutricionista.
A endocrinologista Rosana Radominski, da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso), comenta que o aumento das pessoas acima do peso é "sinal da modernidade". "Há um aumento do sedentarismo por causa da violência, da comunicação pela internet. Ao mesmo tempo não se tem comida saudável por causa da falta de tempo."
Para ela, é essencial investir na prevenção da obesidade infantil. "Aí, é que está o foco. É mais barato investir na prevenção. O problema são as doenças que vêm junto, excesso de colesterol, hipertensão, piora da asma, sono, mau rendimento escolar. A saída é uma mudança na forma de pensar. Criança gordinha não é criança saudável. É preciso estimular amamentação, peso saudável na gestação, mastigação adequada. A criança precisa voltar a brincar, estimular os exercícios.
Pular corda tem que voltar a ser moda".
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