COTIDIANO
Crônica: sobre sotaques, modos de caminhar, costumes, preconceitos
Em meio à polêmica sobre a noiva de um jogador do Belo que fez declarações consideradas xenofóbicas contra os paraibanos, Phelipe Caldas "dialoga" com ela sobre o tema.
Publicado em 25/01/2023 às 20:54 | Atualizado em 05/02/2024 às 17:28
- Drica, “amiga velha”!
Permita-me lhe chamar de amiga, pelo apelido que você mantinha no Instagram antes de encerrar a sua conta, mesmo eu não lhe conhecendo ainda.
Calma, vou te explicar.
É que eu tenho um tio querido, que morreu no ano passado, que iniciava toda a sua conversa com essa expressão.
“Amigo velho!”, “Amiga velha!”.
Ele empostava a voz, que saía alta e envolvia de forma definitiva todos que estivessem no ambiente. Falava numa sonoridade nossa, naquele vozeirão típico de quem se cria e se faz na zona rural do Cariri paraibano, fazendo automaticamente seu interlocutor se voltar ao que ele tinha a dizer.
Era um gesto bonito, curioso, interessante.
Porque tinha o apelo pela devida atenção, exigência por respeito, ao tempo que era a pura docilidade fraterna.
Pois é nesse tom que eu me dirijo a você. De forma cordial, acima de tudo, mas pedindo-lhe a máxima atenção e o mais irrestrito respeito.
Entenda...
Você não pode jamais falar do sotaque de ninguém.
Primeiro porque ele não é feito para ser “fofo” nem muito menos para que você o ache “bonitinho”.
Aliás, não use esses argumentos para tentar se justificar.
Isso aí não é elogio, mas reles tentativa de tornar minimamente palatável preconceitos e o mais puro e violento incômodo por tudo o que é visto como “diferente” por você.
Não se trata também de uma “mania” passível de lhe irritar.
Inclusive, desculpe se vai parecer duro, mas nem tudo o que se passa em seu entorno tem você como destino final.
A vida segue seu rumo à revelia de suas opiniões. Guarde-as para si, portanto.
Até porque, não se trata de simples opinião sobre um modo de falar, sobre a musicalidade de uma voz, sobre gostar ou não de uma expressão regional.
Muito pelo contrário, é um ataque a toda uma subjetividade paraibana, a costumes de um povo, a tudo aquilo de mais caro que nos faz se reconhecer como uma identidade coletiva.
Ademais, não zombe de nosso caminhar.
Não sei se você sabe.
Mas desde o início do século 20 o antropólogo francês Marcel Mauss já refletia sobre “as técnicas do corpo” e sobre como um jeito específico de andar, de nadar, de marchar, por exemplo, permitiam entender costumes, hábitos e modos de viver de uma dada comunidade.
Quando você ironiza o nosso arrastar de pés em sandálias, acredite, você não está sendo engraçada.
Você está sendo agressiva, transformando em ironia doída e desnecessária hábitos nossos que, talvez, denunciem nada mais do que um jeito de viver em harmonia com nossas belezas naturais e com nosso calor convidativo.
Oxe, menina, deixe disso.
Arrastar de pé é um jeito de demonstrar despreocupação, tranquilidade, acolhimento inabalável e sem pressa. Remete também ao nosso forró, a um certo ritmo de viver e existir.
Ah...
E só mais uma coisa.
Não carece não de se explicar mais.
Deixa isso para lá, é melhor.
Você já demonstrou que consegue piorar tudo ainda mais quando tenta justificar os seus atos.
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