COTIDIANO
ENTÃO O FASCISTA SOU EU?
Publicado em 10/04/2018 às 6:24 | Atualizado em 31/08/2021 às 7:43
Meu pai era comunista.
Minha mãe era católica, envolvida, nos anos 1970, com comunidades eclesiais de base.
Eu tinha cinco anos quando Jango foi derrubado.
26 quando o último general presidente deixou o poder.
Cresci na ditadura.
E fui criado num ambiente onde se conversava tudo o que na rua era proibido.
Pretos, pobres, gays, cabeludos, maconheiros, ativistas na clandestinidade, artistas, intelectuais.
Todos eram recebidos lá em casa, no bairro de Jaguaribe, com afeto e respeito por meu pai e minha mãe, por mim e meu irmão.
De Rosário Pretinha, que mal tinha o que comer e chegava regularmente para o jantar, a Dom José Maria Pires, nosso grande arcebispo.
De Xangai a Elomar, que minha mãe chamou de anjos.
De Pedro Osmar a Everaldo Pontes, que se jogou no chão quando viu em cima da mesa a cópia de Houve Uma Vez Um Verão em 16 mm.
Dos jovens estudantes que foram presos e nunca mais voltaram ao ativista Vladimir Dantas.
Do jovem WJ Solha a Jomard Muniz de Britto, guru tropicalista transitando entre a Paraíba e Pernambuco.
De Jurandy Moura a Gerardo Parente, com seu piano e sua imensa sensibilidade.
De Hermano Cananéa a Lúcio Lins, artistas do bairro.
De Carlos Aranha a Walter Galvão, mestres do jornalismo cultural.
Música, cinema, teatro, literatura, política, filosofia, ciência, religião, ausência de religião.
Tudo isso fazia parte do nosso cotidiano, do nosso repertório.
Era incrível!
Essas lembranças me ocorrem agora, nesse Brasil louco em que estamos vivendo.
Ocorrem por causa de um texto que escrevi sobre o ataque à TV Cabo Branco, na última sexta-feira, por manifestantes que foram às ruas protestar contra a prisão do ex-presidente Lula.
Eu estava dentro do prédio e podia ter levado uma pedrada.
Acho o protesto legítimo. Desde que pacífico. O ataque, não! Nem às pessoas, nem às instalações da emissora.
Eis que recebo, no privado, uma resposta de um amigo querido, desses de mais de 40 anos atrás, dos que frequentaram a nossa casa em Jaguaribe.
Dizia mais ou menos assim:
Contra os fascistas, tudo é legítimo!
Em público, outro me chamou de serviçal.
Digo a eles que continuo fiel ao nosso velho repertório.
Mas que não contam comigo para "quebrar essa porra".
Não!
Votei em Brizola. Depois em Lula.
Com a crença de que eles cuidariam melhor da coisa pública.
Talvez dos nossos sonhos.
Prefiro sempre as conquistas dos nossos marcos civilizatórios.
Da nossa frágil democracia.
Sem elas, iremos para onde?
Contra os fascistas, tudo é legítimo!
O comentário, vindo de quem veio, me fez mal, me entristeceu - mais do que já estamos todos consternados com o impasse no qual fomos mergulhados.
A minha resposta vem, então, em forma de pergunta:
Quer dizer que o fascista sou eu?
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