COTIDIANO
"ETA confiava em suas forças depois do 11 de Setembro"
Em entrevista ao Opera Mundi, Florencio Dominguez observou que o aparato militar da ETA analisou corretamente as consequências dos ataques contra as Torres Gêmeas e o Pentágono.
Publicado em 11/09/2011 às 8:00 | Atualizado em 26/08/2021 às 23:29
Alfonso Daniels (Opera Mundi)
De Londres
Frequentemente o enfraquecimento do grupo ETA (Euskadi Ta Askatasuna, basco para Pátria Basca e Liberdade) é analisado em paralelo com os atentados de 11 de Setembro de 2001, que completam 10 anos este mês. No entanto, de acordo com Florencio Domínguez – um dos maiores especialistas no ETA na Espanha e redator-chefe da agência de notícias Vasco Press –, a crescente debilidade do ETA, que anunciou um cessar-fogo "permanente, geral e verificável" em janeiro de 2011, nada tem a ver com o acontecimento nos Estados Unids.
Em entrevista ao Opera Mundi, Dominguez observou que o aparato militar da organização basca analisou corretamente as consequências dos ataques contra as Torres Gêmeas e o Pentágono: a antiga guerra contra o comunismo se transformaria em guerra contra o terrorismo.
Mesmo assim, e contra todas as previsões, o grupo decidiu prosseguir com seus grandes atentados e, poucos dias depois, explodiu um carro-bomba diante de um edifício emblemático do País Basco. Porém, acrescenta o especialista, o mundo também mudou para eles neste dia. Isso porque os governos europeus finalmente se viram forçados a sentar-se à mesa e aprovar a Euroordem, facilitando a extradição de etarras à Espanha e aumentando assim a pressão judicial sobre um dos grupos terroristas mais longevos – e cada vez mais isolados – da Europa.
O 11 de Setembro provocou o declínio do ETA e acabou levando ao anúncio de cessar-fogo permanente?
O ETA analisou corretamente as consequências do 11 de Setembro, mas decidiu continuar atacando, ao contrário do que ocorreu com o IRA (Exército Republicano Irlandês, desmantelado em setembro de 2008). Em documentos da organização datados de setembro de 2001, os responsáveis pelo aparato militar concluíram que o contexto internacional não lhes seria favorável. Consideraram que o que antes era uma aliança contra o comunismo se transformaria em uma aliança contra o terrorismo, que foi justamente o que aconteceu. Mas isso não os levou a mudar de estratégia.
Ainda assim, o ETA reduziu a intensidade de seus ataques depois dos atentados contra os EUA?
De modo algum. O ETA confiava em suas próprias forças depois do 11 de Setembro. De fato, em outubro de 2001, o grupo explodiu um carro-bomba diante do Palácio de Justiça de Vitória, um edifício de vidro em pleno centro da cidade. Houve apenas um ferido, mas o impacto midiático foi enorme. Lembro que a CNN o qualificou de "atentado espetacular". Em dezembro de 2006, eles explodiram a T-4 de Barajas [prédio de estacionamento do aeroporto de Madri] e, meses depois, atacaram um centro de turismo.
O ETA não temia uma reação do governo espanhol, apoiado pela comunidade internacional?
Não foi a primeira vez que o ETA analisou corretamente o contexto internacional e, ainda assim, decidiu continuar atacando, fossem quais fossem as consequências. O grupo fez isso, por exemplo, nas negociações com o governo espanhol em Argel em 1989. O governo argelino os ameaçou se eles rompessem as negociações, e eles o fizeram. Como resultado, Argel expulsou os refugiados etarras.
O 11 de Setembro serviu ao menos para que os EUA ajudassem a Espanha contra o ETA?
Os EUA apenas ofereceram ajuda simbólica, sem participar de operações policiais, salvo em pouquíssimas ocasiões. Em 1986, por exemplo, a CIA vendeu ao ETA mísseis adulterados com uma baliza localizadora para que a polícia espanhola pudesse detectar os terroristas. Mas estas ações são a exceção.
Mas outros países, como a França, começaram a colaborar mais ativamente contra o ETA a partir do 11 de Setembro...
A França já estava colaborando com o governo espanhol. O que acontece é que as coisas foram se depurando. O 11 de Setembro serviu, isso sim, para melhorar a coordenação antiterrorista internacional e afinar procedimentos jurídicos de extradição. Às vezes, passavam-se anos para que se conseguisse extraditar um etarra para a Espanha. Alguns regulamentos remontavam ao século XIX. Mas, com o 11 de Setembro, foram aplicadas as recomendações do informe Watson e surgiu a Euroordem, ou ordem de extradição europeia. Agora, se um juiz espanhol pede uma extradição, é como se ela fosse pedida por um juiz francês, o que faz com que um processo demore apenas dois ou três meses.
Suponho que os ataques contra os EUA tenham motivado a base etarra a questionar a continuação da estratégia de atentados...
Não foi assim. O fato de o IRA se desarmar teve muito mais efeito nas bases do ETA.Um informe interno etarra que circulou um mês antes do desarmamento do IRA garantia que isto nunca aconteceria, pois o exército britânico tampouco iria se desarmar. E aconteceu. Isso levou muitos a acreditar que o ETA deveria seguir seus passos e abandonar a luta armada.
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