COTIDIANO
Gonzaga é mestre da palavra transformada em texto escrito
Publicado em 20/06/2018 às 5:58 | Atualizado em 04/08/2023 às 14:12
Gonzaga Rodrigues e meu pai foram vizinhos no bairro da Torre.
Anos 1950.
Meu pai, na Aragão e Melo, começando o amor pelas estrelas, pela astronomia.
Gonzaga, na Maroquinha Ramos, pelo jornalismo. Pela palavra muitíssimo bem escrita.
Muito depois, eu estava saindo da infância quando vi Gonzaga de perto pela primeira vez.
Um assunto da astronomia levou meu pai à redação de O Norte. Fui junto.
E lá estava ele.
O "Neguinho".
O cara que, àquela altura, já era mestre absoluto do seu ofício.
Profissionalmente, meu vínculo com Gonzaga começou na redação de A União.
Final dos anos 1970.
Eu, levado para o caderno de cultura por Agnaldo Almeida, o editor.
Gonzaga, diretor técnico do jornal.
A diretoria e a administração ficavam na sede do Distrito Industrial, longe da notícia.
A redação, na João Amorim, entre Jaguaribe e o Centro, numa casa por trás do Bompreço da Praça Castro Pinto.
Gonzaga chegava sempre no final da tarde.
Ficava até a noite.
Àquela altura, não sentava mais para fazer o jornal, para editar.
Discutia conteúdo.
Dava pitacos.
O mais importante era a conversa dele.
A conversa com ele.
Muito mais produtivo - que me perdoem os melhores da academia - do que cadeiras completas do curso de jornalismo.
Lições diárias de como fazer. Dadas com a simplicidade dos que sabem, mas não precisam ostentar.
A fala matuta, com os traços do lugar de onde veio.
O gestual expressivo.
A erudição de quem leu muito.
O conhecimento compartilhado com os colegas, os que quisessem ouvi-lo.
A generosidade com os mais jovens, garotos ainda, como eu.
Gonzaga foi (é) mestre de todos nós.
Dos que quiseram (querem) a sua companhia.
O seu afeto.
É, sobretudo, mestre da palavra transformada em texto escrito.
Transitando ali entre o jornalismo e a literatura.
A redação da João Amorim passou.
O tempo em que estivemos juntos na Secom, também.
Mas as lições dele atravessaram as décadas.
Permaneceram (permanecem) à nossa disposição.
Somadas a um monte de coisas que acumulamos.
Não é só jornalismo que há em Gonzaga. É literatura, música, cinema, política, religião.
As histórias dos nossos sítios e seus personagens.
O humanismo. Sim. O humanismo que anda tão escasso.
Estar ao lado dele, escutá-lo, é um negócio que não tem preço.
Acho que ele nem sabe que a gente pensa assim.
Mas a gente pensa.
Nesta quinta-feira (21), Gonzaga Rodrigues faz 85 anos.
Comentários