COTIDIANO
'Grandes complexos penitenciários são bombas-relógio', diz consultor
Segundo especialistas, tendência é reduzir unidades prisionais no país. Superlotação prejudica gestão de presídios.
Publicado em 25/06/2010 às 9:05
Do G1
Grandes complexos penitenciários no Brasil são, frequentemente, palco de manifestações e rebeliões que assustam a população, porém não surpreendem especialistas. “Grandes unidades são bombas-relógio, porque não há como controlar tantos presos ao mesmo tempo”. É o que diz o consultor em segurança pública José Vicente da Silva Filho, ex-secretário nacional da Segurança Pública.
No início de maio, uma briga entre dois grupos rivais deixou três presos feridos - dois deles baleados - em um motim no Presídio Anibal Bruno, no Recife. No fim do mesmo mês, no dia seguinte à apreensão de facas, telefones celulares e armas artesanais no presídio, detentos foram flagrados usando livremente material que não foi apreendido durante a operação. E esses são apenas casos recentes. O Aníbal Bruno é considerado um dos maiores presídios do país em população carcerária, segundo o Ministério da Justiça.
Em Rondônia, na Casa de Detenção José Mário Alves, conhecida como Presídio Urso Branco, um episódio em 2002 também demonstra a fragilidade do sistema. Pelo menos16 presos são acusados de matar outros 27 detentos durante um motim. A unidade, como diversas outras pelo país, enfrenta o problema da superlotação.
Também considerado um dos maiores presídios em capacidade e população, segundo o Ministério da Justiça, o Presídio Central de Porto Alegre é mais um a lidar com a superlotação - são 4.847 presos para 2.086 vagas -, mas não está envolvido em rebeliões com a mesma frequência dos dois citados anteriormente, que também se destacam pelo tamanho.
"Os problemas que existem em uma penitenciária estão relacionados à gestão dessa unidade, e não ao tipo de preso que ela abriga. O domínio ou não dos presos depende da gestão, da concepção arquitetônica da penitenciária, e da forma como os presos são tratados. Se eles são tratados como animais, eles reagem", diz Walter Nunes da Silva Junior, conselheiro do Conselho Nacional de Justiça.
Para Roberto Aguiar, também especialista em segurança pública e professor da Universidade de Brasília (UnB), a superlotação, além de atrapalhar a gestão dos presídios, impede que sejam feitas ações de ressocialização dos presos. “O problema mais grave de nosso sistema atual é que um interno é punido três vezes. Primeiro porque fez algo ilegal e deve cumprir pena. Depois, quando chega na cela, porque é submetido às regras internas impostas por outros presos, que vão desde práticas sexuais até trabalhar como empregado. E por último, depois de cumprir a pena, ele volta à liberdade mas não é aceito porque é ex-criminoso. Isso é desumano", afirma.
Da forma como funcionam atualmente, segundo Silva Junior, os presídios não cumprem com nenhuma de suas duas funções básicas. "Um estabelecimento deste tipo recolhe o criminoso para evitar a prática de novos crimes e para recuperar o preso. O que se vê, no entanto, são presídios que se transformaram nos escritórios oficiais das organizações criminosas, de onde os presos comandam o crime", diz o conselheiro.
Tendência
Entre os especialistas, o consenso é de que grandes complexos prisionais não funcionam tão bem quanto funcionariam se fossem divididos em unidades menores. "Não podemos recorrer a complexos enormes, porque grandes concentrações geram grandes rebeliões, e isso só potencializa o crime. Unidades pequenas são mais baratas e assim é possível colocá-las mais próximas da cidade do criminoso. Isso fará dele mais cuidadoso com suas atitudes", diz Roberto Aguiar.
O conselheiro do CNJ Silva Junior afirma que o padrão indicado para os presídios é de, no máximo, 250 presos."Infelizmente, por diversos fatores, ainda persistem os grandes complexos e ao longo do tempo eles aumentam, são criadas outras galerias. Os governos ampliam aquela estrutura em vez de construir novos presídios e isso leva à situação de caos. Os grandes presídios são contraproducentes.
Quando os presos são maioria, eles acabam comandando o sistema", afirma.
A criação de minipresídios enfrenta, entre outras dificuldades, a restrição de cidades cotadas para receber as unidades. "A verdade é que ninguém quer o preso por perto. Por isso a necessidade de estruturas imensas para abrigá-los em um único lugar. Mas as pessoas se esquecem de que a família é muito importante para esse processo de recuperação do preso. O Brasil é um país de dimensões continentais, então a distância impede visitas", diz Silva Junior.
Na expectativa de reduzir irregularidades e rebeliões, mas sem a possibilidade de distribuir os presos em unidades pelo estado, a administração do Aníbal Bruno está investindo em um projeto de divisão do complexo em três unidades menores e independentes.
Segundo a assessoria de imprensa da Secretaria Executiva de Ressocialização de Pernambuco, a proposta de zoneamento consiste em dividir cada unidade entre os setores externo (administração, área de revista, alojamento da guarda interna e externa, guaritas de proteção), intermediário (módulos de triagem, disciplina, serviços, ensino, oficinas, enfermaria e atendimento social) e interno (pavilhões, refeitórios e quadras poliesportivas).
As três unidades, que deverão ser autônomas, terão capacidade para 1.514 presos (565, na unidade 1; 464, na unidade 2; e outros 485, na unidade 3). A previsão de entrega da unidade 3 é para o fim de julho, e as unidades 1 e 2 devem ser entregues em outubro. Os pavilhões antigos, ainda segundo a secretaria, serão reformados. Apesar da estrutura, a divisão não soluciona o problema da superlotação.
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