COTIDIANO
Israel aumenta controle sobre territórios palestinos
Na primeira década do século XXI registram-se a morte de sua Yasser Arafat e uma série de ataques e o cerco à Faixa Gaza.
Publicado em 11/09/2011 às 8:00 | Atualizado em 26/08/2021 às 23:29
Arturo Hartmann (Opera Mundi)
São Paulo
As imagens são famosas, rodaram o mundo. Um vídeo de cerca de 20 segundos exibido pela rede norteamericana CNN mostra o que seria um grupo de palestinos comemorando os ataques de 11 de Setembro no leste de Jerusalém. Nas horas que se seguiram aos atentados, surgiu na internet uma versão que contestava a veracidade das imagens – seria, na verdade, um registro de dez anos antes, da invasão do Kuwait. A CNN prontamente negou que tivesse forjado a celebração, que teria sido filmada pela agência de notícias Reuters.
Verdadeiras ou não, as imagens serviram para criar uma conexão entre o 11 de Setembro e a causa palestina. “Por um período, estas cenas tornaram-se uma imagem icônica retratada pela mídia dos Estados Unidos para criar uma ligação falsa ou equivalente entre a luta palestina por independência e a ideologia atrasada da Al Qaeda e suas ações fascistas”, afirma o cineasta Osama al-Zain. “Isso causou um retrocesso”, disse.
De fato, a primeira década do século XXI não foi melhor para os palestinos do que as anteriores, pelo contrário. Eles acompanharam o cerco e a morte de sua maior liderança, Yasser Arafat, a construção de um muro no interior do Território Ocupado da Cisjordânia, uma série de ataques e o cerco à Faixa Gaza, a divisão política entre Hamas e Fatah, e a contínua construção de assentamentos. Hoje são por volta de 450 mil colonos vivendo na Cisjordânia.
Por outro lado, a resistência teve que encontrar outros caminhos após a repressão israelense sobre a Segunda Intifada e a imagem de “terrorista” colada a ela. Tudo acelerado pelo 11 de Setembro. “Criou-se uma atmosfera antagônica a qualquer coisa relacionada ao mundo árabe-islâmico”, diz al-Zain. “Isso atingiu vozes americanas objetivas e apoiadoras da causa do povo palestino”, enfatizou.
Palestino de Ramallah, hoje morando nos Estados Unidos, ele filmou o documentário “Palestine Post-9/11”, de 2005. O filme acompanha Stanley Cohen, advogado judeu de Manhattan, em uma viagem à Palestina. “Vemos a vida diária sob ocupação, a aliança estratégica israelo-americana e o uso do 11/9 como justificativa para as violações de leis humanitárias na Palestina por parte do governo israelense”, afirmou Assim al-Zain expôs a realidade da ocupação israelense, ignorada pela “luta contra o terrorismo”.
Shawan Jabarin é diretor geral da al-Haq, associação com status consultivo especial junto à ONU e que trabalha para proteger direitos humanos e cumprimento da lei nos Territórios Ocupados. Para ele, a política israelense não mudou após o 11 de Setembro, apenas intensificou-se. “As mortes, a demolição de casas, os ataques a comunidades e residências, cercos, toques de recolher, o uso de força pesada e desproporcional, tudo isso já era feito antes. Os israelenses já usavam a expressão ‘terrorista’ desde a Primeira Intifada. É que encontraram um clima mais propício para vender sua versão para a comunidade internacional durante a Segunda”, disse.
Episódio de guerra se repete este ano
No final do mês passado, na quinta-feira (19/08), palestinos e israelenses tiveram um déjà vu da Segunda Intifada. E o episódio é ilustrativo da estrutura moldada no pós 11/9. Nas primeiras horas da tarde, uma série de ataques dentro de território israelense realizados por militantes que cruzaram a fronteira com o Egito, próximo à cidade de Eilat, sul de Israel, deixou, segundo o site do Haaretz, oito mortos e 30 feridos.
Até o dia seguinte, ninguém havia reivindicado o ataque, mas a culpa caia sobre o Comitê de Resistência Popular da Faixa de Gaza (PRC, em inglês), uma facção armada não-religiosa composta por ex-membros das Brigadas dos Mártires de al-Aqsa, o braço armado do Fatah na Segunda Intifada. No dia 20 de agosto, a agência palestina Maan publicava que o PRC negou qualquer envolvimento. De qualquer forma, desde às 18h de quinta-feira, a Força Aérea de Israel bombardeava Gaza. Nas primeiras 24 horas, as vítimas dos ataques israelenses somavam 15 mortos e cerca de 40 feridos, inclusive mulheres e crianças.
Logo após os ataques, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu garantiu que Israel responderia firmemente. O ministro da Defesa Ehud Barak foi mais longe: “este ataque terrorista originou-se em Gaza. Nós vamos exaurir nossos meios contra os terroristas”, publicou o site Ynet news. Barack Obama também não hesitou e deixou claro que “os EUA e Israel mantêm-se unidos contra o terror, e esperamos que aqueles por trás deste ataque sejam levados à justiça rapidamente”. É o ciclo perfeito dos últimos dez anos, o mesmo palco, diferentes atores.
Em 2001, o cargo de primeiro-ministro era de Ariel Sharon, conhecido por ser um dos perpetradores do massacre de Sabra e Chatila. Ele inclusive foi alvo de uma investigação em 1983, a Comissão Kahan, que apontou sua culpa “indireta” no massacre e o fez demitir-se. Quando o 11 de Setembro acontece, a Segunda Intifada já completava seu primeiro ano. O então primeiro-ministro dá seu apoio aos Estados Unidos, mas traz a guerra de Bush ao seu próprio conflito.
O jornalista Robert Fisk assim conta em seu “A Grande Guerra pela Civilização”. “Poucas horas após os atentados de 11 de Setembro de 2001 nos Estados Unidos, Ariel Sharon transformou Israel em seu aliado na ‘guerra contra o terrorismo’, de modo que imediatamente transformou Yasser Arafat na versão Palestina de Bin Laden, e os terroristas suicidas palestinos em irmãos dos dezenove árabes - nenhum deles palestinos - que sequestraram os quatro aviões norte-americanos”, disse.
Resistência se reinventa
Os movimentos palestinos após a Segunda Intifada tiveram que juntar os cacos. A repressão, reforçada pela global “luta contra o terrorismo” trucidou, o tecido social palestino. E os ataques suicidas, aliados à propaganda pós-11/9, como visto por al-Zain, fizeram com que fosse preciso reconstruir a imagem para o público externo.
Shabarin, da al-Haq admite que a bem-sucedida estratégia de propaganda israelense foi, em parte, seguida por alguns grupos palestinos, com os atentados suicidas. “Assim, igualavam o que faziam ao que ocorreu nas torres gêmeas”, afirmou.
Mas não só a imagem de terroristas fez com que os movimentos precisassem se reinventar. “A resistência teve que procurar novos caminhos porque a maioria dos países árabes fechou-se à resistência palestina, por pressões enormes dos países coloniais ocidentais. Além das restrições criadas por Oslo [tratado de paz assinado em 1993 por Arafat e pelo então premiê israelense Yitzhak Rabin] e o comprometimento da Autoridade Palestina sobre questões de segurança e seus laços com os israelenses”, afirma Nassar Ibrahim, diretor do Centro de Informação Alternativa (AIC, em inglês).
Segundo Ibrahim, “isso criou um novo ambiente para a resistência e a necessidade de novos métodos”. A luta pacífica das vilas e o movimento pelo boicote e sanções a Israel, nos moldes do que foi feito contra o Apartheid sul-africano na década de 70, são alguns deles. São respostas à ocupação de terras e à transformação da Palestina em guetos, os “guetos de Oslo”.
O diretor do AIC não tem dúvidas sobre os Acordos de Oslo serem os grandes culpados pela deterioração da situação na Palestina. “No seu objetivo central, a invasão israelense em 2002 não tinha relação com a chamada ‘guerra ao terror’.
Oslo atingiu um beco sem saída e Arafat recusou-se a aceitar a condição israelense de ignorar assuntos cruciais, como direito de retorno dos refugiados e status de Jerusalém”, argumenta Ibrahim. “O governo israelense encontrou no 11 de Setembro um momento para esmagar a resistência palestina e forçar seus termos. Mas foi o fracasso do processo de paz que nos trouxe à atual situação. Os palestinos perceberam que o processo tinha-lhes tomado tudo e reagiram. Assim, a destruição dos movimentos aconteceu por causa do fracasso do processo de paz, não pela reação palestina ao fracasso”, concluiu.
Comentários