COTIDIANO
Morte de Belchior é o fim de uma história triste e misteriosa
Publicado em 30/04/2017 às 17:30 | Atualizado em 31/08/2021 às 7:45
Quero desejar, antes do fim,
Pra mim e os meus amigos,
Muito amor e tudo mais.
Que fiquem sempre jovens
E tenham as mãos limpas
E aprendam o delírio com coisas reais
Foram os versos de Belchior que me ocorreram quando soube da sua morte.
Soube da existência dele no início da década de 1970 quando ouvi Mucuripe, composta em parceria com Fagner. Havia a versão de Fagner, no disquinho de bolso do Pasquim, e a de Elis Regina.
Tinha um verso encantador:
Calça nova de riscado/Paletó de linho branco/Que até o mês passado/Lá no campo ainda era flor
Depois veio A Palo Seco, no disco de Fagner:
Se você me perguntar por onde andei/No tempo em que você sonhava
Um pouco mais tarde, o grande impacto: Como Nossos Pais e Velha RoupaColorida, abrindo Falso Brilhante, o disco de Elis:
Minha dor é perceber que apesar de termos feito tudo o que fizemos/Ainda somos os mesmos/E vivemos como nossos pais
Ou:
O que há algum tempo era jovem, novo/Hoje é antigo/E precisamos todos rejuvenescer
Quando o LP Alucinação deu dimensão nacional a Belchior, já tínhamos sentido o impacto do seu talento.
Estávamos diante de mais uma voz que falava por sua geração na noite brasileira.
Não tinha grandes dotes como cantor e era melódica e harmonicamente muito limitado. O negócio dele eram as letras. Escreveu algumas absolutamente antológicas. O seu lugar na história da MPB está essencialmente associado à força da sua poesia.
Parece paradoxal, mas a marca de originalidade das suas letras está na habilidade com que lidou com referências e citações. Belchior sempre demonstrou ter plena consciência disso.
O melhor do seu cancioneiro se resume a quatro discos, gravados entre 1976 e 1979. Um na Philips, três na Warner. Neles, estão as suas canções mais importantes. As que de fato ficaram arquivadas na memória afetiva do seu público.
Durante quase 25 anos, a partir do início dos anos 1980, Belchior muito pouco se renovou, mas fez bem a manutenção da carreira, cantando grandes sucessos para uma plateia fiel.
Na segunda metade da década passada, saiu de cena. Abandonou a carreira, afastou-se da família e dos amigos, sumiu dos palcos e dos estúdios. Uma história misteriosa, estranha e triste.
A sua morte, aos 70 anos, é o epílogo dessa história.
Comentários