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COTIDIANO

"Nelma, a vida não se acaba com a morte"

Publicado em 30/03/2019 às 6:52 | Atualizado em 30/08/2021 às 23:36

Neste sábado (30), faz um ano que Nelma Figueiredo morreu.

Escrevi esse texto em setembro do ano passado, no dia do aniversário dela.


				
					"Nelma, a vida não se acaba com a morte"

Nelma me levou para perto da morte de um modo que eu nunca havia experimentado, a despeito de todas as perdas que já tive.

Nessa jornada que se estendeu por um ano e oito meses, fui puxado para junto dela e, igualmente, a quis junto de mim. Coisas que podem encontrar explicação nas religiões, para quem as tem, ou na força de uma amizade.

20 meses. Muito pouco tempo se pensarmos na sobrevida pela qual o paciente luta.

20 meses. Muito tempo se pensarmos no sofrimento de quem se vê consumido por uma doença devastadora como o câncer.

O diagnóstico inicial - um câncer de pulmão já com metástase - não deixava dúvidas sobre a gravidade do quadro. Não haveria cura. Uma cronicização da doença? Quem sabe?

Nelma era movida pela fé. Nela, encontrava forças para enfrentar o câncer. Trabalhava normalmente, tinha vida social ativa, aguardava ansiosamente o nascimento da neta Maria.

Eu não tinha qualquer otimismo, mas as nossas expectativas sobre a doença ficaram guardadas. Nelma vinha com a crença, eu ia com o silêncio. E ela parecia entender o quanto o meu silêncio era eloquente.

A metástase hepática, confirmada 40 dias antes da morte, trouxe a certeza de que não havia mais nada a fazer.

Vi minha amiga querida se entregar a uma tristeza profunda, a um recolhimento que não combinava com a sua natureza sempre muito inquieta.

Esperei que falasse comigo sobre a morte. O que eu diria? Que sim, que ela ia morrer? Não sei como seria essa conversa, mas estava certo de que ocorreria. E tentava estar pronto para enfrentá-la.

Houve um momento, numa das últimas consultas, em que Nelma perguntou ao oncologista:

E agora?

Ao que ele respondeu, com admirável serenidade:

A vida não se acaba com a morte.

Comigo, não. Nos dias finais, foi só silêncio.

Ou falas que não combinavam com a realidade:

E então, Sílvio, como foi o concerto de Geraldo Vandré?

Como se não quisesse ouvir o que eu, se abordado, não poderia deixar de lhe dizer.

Nelma se foi na tarde da sexta-feira santa. Vê-la morrer foi uma experiência dolorosa que só o tempo amenizará.

Sinto sua falta. Sobretudo das conversas diárias de anos e anos, já cheias de desencanto, sobre o ofício que escolhemos. Era o terreno das nossas maiores afinidades.

Imagem

Silvio Osias

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