COTIDIANO
Novo CD de Chico só tem um defeito: dura apenas 28 minutos!
Publicado em 25/08/2017 às 15:09 | Atualizado em 31/08/2021 às 7:44
Estou beirando o limiar da velhice.
Meu negócio é disco físico. O objeto na mão para colocar no player, capa, encarte. Aquela história do amor táctil.
Mas, hoje, abri uma exceção. Fui a uma plataforma digital ouvir o novo CD de Chico Buarque (com o neto Chico Brown, em foto de Leo Aversa).
A audição de Caravanas me deixou alegre e triste.
Alegre porque é um belíssimo disco de um grande artista.
Triste porque me deu a sensação de que contém música de um Brasil que não existe mais.
Assim como Caetano disse da Bossa Nova, digo de Chico Buarque: ele é foda!
Mas tem apanhado um bocado nos últimos tempos. Só porque exerce legitimamente o seu direito de se posicionar politicamente do modo que lhe convém.
A música é outra coisa. Está colada aos nossos ouvidos desde os anos 1960. Mudou, ficou mais sofisticada, de assimilação mais difícil, mas permanece bela e indispensável.
Caravanas tem nove faixas. Sete inéditas. Dueto e A Moça do Sonho não são novas. Todas as letras são de Chico. Quatro melodias são de parceiros (Cristóvão Bastos, Edu Lobo, Jorge Helder e Chico Brown).
A sonoridade e a concepção dos arranjos lembram os últimos discos de Chico. Certamente porque o diretor musical - o guitarrista Luiz Cláudio Ramos - é o mesmo.
O repertório não parece ter clássicos instantâneos. Nem dá para prever o que, com o tempo, será inserido na nossa memória afetiva.
De todo modo, creio que é um disco para poucos ouvintes. Como se o Chico dessas canções não coubesse direito no Brasil de hoje.
Apesar disso, o autor exibe sensíveis links com a realidade.
Um deles: em Blues Pra Bia, o cara se dispõe a virar menina para namorar a garota que não gosta de garotos.
Outro: em Dueto, faixa gravada com Clara Buarque, avô e neta acrescentam à letra palavras como google, face, whatsapp. Na atualização, Chico acaba incluindo o finado orkut.
Mais um: o compositor aposta no talento do neto Chico Brown, autor da melodia da valsa Massarandupió. Evoé, jovens à vista!
O disco começa com Tua Cantiga, que levou tanta gente a chamar Chico de machista nas redes sociais, tem o futebol em Jogo de Bola, um bolero composto para Omara Portuondo (Casualmente) e termina com As Caravanas.
Em As Caravanas, o artista se debruça sobre o medo que a classe média tem dos que vêm do subúrbio ou das favelas para as praias da Zona Sul. É a letra que, aqui, conecta o cancioneiro de Chico com o Brasil das insolúveis desigualdades sociais. A melodia cita o Duke Ellington de Caravan, enquanto o arranjo tem o toque contemporâneo do funkeiro Rafael Mike.
Diz a letra:
Tem que bater, tem que matar/engrossa a gritaria/filha do medo, a raiva é mãe da covardia.
Esse disco de Chico Buarque só tem um defeito: dura apenas 28 minutos!
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