COTIDIANO
O Nobel de Bob Dylan caberia muito bem em Chico Buarque
Publicado em 22/05/2019 às 7:00 | Atualizado em 30/08/2021 às 23:35
Chico Buarque venceu a edição 2019 do Prêmio Camões. O anúncio foi feito nesta terça-feira (21). O prêmio, um dos mais importantes da língua portuguesa, foi pelo conjunto da obra (literatura, teatro, poesia, canção popular, etc.). O artista vai receber 100 mil euros. Premiação justíssima para um dos grandes artistas do Brasil. Um cara que nos orgulha imensamente, sobretudo com o seu cancioneiro. Chico é um gigante no seu ofício. O Nobel de Literatura concedido a Bob Dylan caberia muito bem nele. Fecho a coluna com uma letra de Chico. Mas qual? São tantas letras absolutamente extraordinárias que fica difícil escolher uma. Mexendo na memória, fico com Rosa-dos-Ventos. É de 1970. A letra traz palavras proparoxítonas fechando os versos (não todos). Logo depois, em Construção, uma das suas obras-primas, Chico constrói uma letra genial em que todos os versos terminam com proparoxítonas. Seria Rosa-dos-Ventos um ensaio para Construção? Rosa-dos-Ventos E do amor gritou-se o escândalo Do medo criou-se o trágico No rosto pintou-se o pálido E não rolou uma lágrima Nem uma lástima para socorrer E na gente deu o hábito De caminhar pelas trevas De murmurar entre as pregas De tirar leite das pedras De ver o tempo correr Mas sob o sono dos séculos Amanheceu o espetáculo Como uma chuva de pétalas Como se o céu vendo as penas Morresse de pena E chovesse o perdão E a prudência dos sábios Nem ousou conter nos lábios O sorriso e a paixão Pois transbordando de flores A calma dos lagos zangou-se A rosa-dos-ventos danou-se O leito do rio fartou-se E inundou de água doce A amargura do mar Numa enchente amazônica Numa explosão atlântica E a multidão vendo em pânico E a multidão vendo atônita Ainda que tarde O seu despertar
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