COTIDIANO
Opinião: O contador paga a conta?
Advogada Myriam Pires Gadelha fala sobre leis que colocam contador como sujeito de obrigação tributária.
Publicado em 11/09/2021 às 9:56 | Atualizado em 18/09/2021 às 9:08
No último dia 3, o Supremo Tribunal Federal iniciou o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade da Lei de nº 17.519/11 do Estado de Goiás, que insere o contador como responsável tributário solidário, quando, por meio de atos e omissões, concorra para a prática de infração à legislação tributária.
Ano passado, o STF já havia julgado inconstitucional lei similar, do Estado do Mato Grosso, na ADI 4845, a concluir pela impossibilidade de inserção do contador como sujeito da obrigação tributária, já que a Constituição Federal é clara no sentido de que apenas lei complementar e de caráter nacional pode legislar sobre o assunto.
Questão fechada, portanto, que lei estadual ordinária não pode imputar ao contabilista a responsabilidade pelo pagamento do tributo e, provavelmente, será este o deslinde da ação que discute sobre a legislação goiana. Em verdade, já há muito se decidiu que o legislador ordinário não está autorizado a criar novos casos de responsabilidade tributária. O que não é questão fechada, contudo, é a evidente visão da Administração Tributária de que o contribuinte deve ser quem ele que quer que seja, desde que o tributo venha a ser adimplido.
O Fisco, em regra, e num contexto mais abrangente, a ir além do aspecto pessoal da obrigação tributária, não quer conhecer a verdade, mas arrecadar, mesmo que isso fira uma gama de normas estruturantes que equacionam a relação entre Estado e contribuinte.
Chama-se atenção, aqui, para a contínua inserção de sócios, administradores ou não, obrigados ao pagamento do crédito, seja num procedimento de lançamento onde não há, em absoluto, apuração de suas supostas responsabilidades, seja já em execução fiscal, ou por direcionamento, já constando como devedores no próprio título, ou redirecionamento, normalmente, sem amparo legal.
Dia a dia, o princípio da autonomia patrimonial, que separa o que é da empresa do que é de seus sócios é afastado e, embora na maioria dos casos o judiciário termine por julgar ilegal a colocação do sócio como responsável, até ali, muito estrago já se causou: bloqueio em conta, inserção do nome em cadastro de inadimplentes e por aí vai.
É uma história antiga para advogados, empresários e contadores: apesar da clareza da lei sobre quem é contribuinte e quem é responsável, ainda mais no campo hermético do Direito Tributário, que se rege pela legalidade fechada e não comporta interpretações extensivas sobre sujeição passiva, o fato é que vivemos com medo de sermos ultimados a pagar uma conta que passa a ser nossa apenas por estarmos no exercício regular de nossas profissões e da atividade negocial.
No fim do dia, é bem mais provável que o STF entenda que os contadores goianos não podem ser responsáveis, por evidente usurpação de reserva constitucional de Lei Complementar. Mas o Fisco continuará a procurar responsáveis à revelia da lei, quase como quem procura culpados, a acreditar que está, aí, a exercer seu ofício, sem lembrar que, assim fazendo, desestimula a atividade econômica e mantem a dinâmica abusiva e invasiva da relação Estado-contribuinte, seja lá quem este for.
*Myriam Pires Benevides Gadelha é advogada especialista em Direito Tributário.
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