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COTIDIANO

Portugal: conveniente porta de entrada do terrorismo

Desde 2004, país luta contra a utilização do território como estrutura financeira e logística para grupos como a Al Qaeda.

Publicado em 11/09/2011 às 8:00 | Atualizado em 26/08/2021 às 23:29

Simone Cunha (Opera Mundi)
De Lisboa

Ao mesmo tempo em que procura divulgar cada vez mais sua participação militar em conflitos no exterior, Portugal luta, desde 2004, contra a utilização de seu território como estrutura financeira e logística para grupos como a Al Qaeda. Entre as principais razões que contribuíram para esta situação estão sua posição geográfica (por ser a porta de entrada para a Europa Ocidental e pela proximidade com o continente africano) e a precariedade em setores estruturais e burocráticos para questões relacionadas à segurança.

A preocupação com o terror existe entre os serviços de segurança locais e está explícita em documentos internos, que mencionam a existência de células de apoio a grupos islâmicos e a presença de suspeitos ligados a redes extremistas. O último relatório do Ministério da Administração Interna, de 2010, afirma que o país "não está imune ao desenvolvimento, no seu território, de atividades relacionadas com o terrorismo de matriz islâmica" e não descarta a possibilidade de tornar-se um alvo.

Aparentemente sem maior importância, infrações simples como falsificação de documentos são consideradas suspeitas para grupos que investigam atos terroristas no país. Entretanto, a mídia local só parece se importar com a questão quando são anunciadas suspeitas de atentados em solo português. Em julho deste ano, por exemplo, o jornal i publicou a existência de um suposto plano descoberto durante uma troca de mensagens em um fórum islâmico. Segundo a conversa, o objetivo seria atingir rotas marítimas em todo o mundo, e Portugal estaria entre os alvos devido à sua grande afluência turística.

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Pequeno, pouco expressivo na mídia internacional e com uma língua relativamente pouco difundida no mundo, o país não é visto por especialistas como prioridade de organizações terroristas. “O que nos salva é nossa pouca importância mundial”, diz o jornalista José Vegar, especializado em pesquisar casos de terrorismo nos serviços de inteligência portugueses.

“A Al Qaeda não faz comunicados designando países específicos como alvos. Não é assim que funciona”, afirma Carlos Gaspar, investigador do Instituto Português de Relações Internacionais (IPRI) e ex-assessor da Casa Civil do Presidente da República. Segundo ele, um dos fatores que pode motivar a ira dos terroristas é a presença portuguesa em diferentes palcos de guerra. “Não há muitos países, mesmo na Europa ocidental, com presença militar tanto no Afeganistão, quanto no Iraque e no Timor”, diz. De fato, Portugal é o único país da União Europeia com tropas combatentes nessas três missões, sem contar a participação em missão internacional no Líbano.

No entanto, um ataque marítimo em grande escala é visto como uma das maiores preocupações atuais. “Desde o 11 de Setembro se fala de fragilidades na segurança marítima. E toda a atenção, além da maior parte do investimento, tem sido destinada à segurança aérea”, diz Bruno Reis, pesquisador do Instituto de Ciência Sociais (ICS) que estuda religiões e segurança internacional. Segundo ele, o grande fluxo de turistas estrangeiros no Algarve, região sul de Portugal, também poderia justificar o interesse estratégico pelo país.

Delitos mais comuns são falsificação de identidade

Para o jornalista José Vegar, as células terroristas no país se aproveitam da vulnerabilidade da segurança portuguesa para viabilizar suas ações. “O que mais se detectou [de suspeita] em Portugal é um pouco parecido com o que ocorre no resto da Europa: movimentações financeiras [suspeitas], cidadãos com passado ligado ao extremismo islâmico, tentativas e roubos de cartões de crédito”, relatou.

Um dos delitos mais comuns em Portugal ligados ao terrorismo é a falsificação do documento de identidade. Em 2007, o país passou a adotar um cartão de identificação eletrônico, mas ainda é o único na União Europeia a manter a opção de se utilizar de uma versão em papel. O documento dá acesso a todo o espaço europeu – o que é considerado um problema de segurança em toda a comunidade. “É o mais fácil de falsificar, é só uma folha de plástico e outra de papel”, diz Vegar.

Outra vulnerabilidade portuguesa já detectada pelos terroristas, segundo Vegar, é o fraco controle sobre os explosivos e produtos recorrentemente usados para a fabricação de bombas. Em 2004, autoridades espanholas avisaram que uma célula local pretendia adquirir explosivos na região de Bragança, no norte de Portugal, para um atentado contra a Audiência Nacional de Madrid, tribunal encarregado de casos ligados ao terrorismo na Espanha – uma estratégia já detectada anteriormente em ações do ETA.

Portugal, segundo Vegar, é palco de várias investigações ligadas ao financiamento de atividades terroristas. Uma das mais famosas foi uma transferência de dinheiro da cidade do Porto para a Holanda, descoberta às vésperas do Euro 2004, e que teria motivado a expulsão de 11 magrebinos encontrados em uma pensão.

De acordo com os relatos dos investigadores do serviço secreto português ao jornalista, um deles teria morado com Mohamed Bouyeri, que assassinou o cineasta holandês Theo Van Gogh, um ano antes. Também foi investigada uma série de transferências bancárias de Lisboa para Madri, em 2003, suspeitas de terem ajudado a financiar o atentado de 11 de Março de 2004, na Espanha, no qual morreram 191 pessoas em estações de trem da capital espanhola.

Vegar aponta que as investigações dos serviços de segurança portugueses também se focam em encontrar mesquitas clandestinas, locais considerados propícios para mobilizar células do terror. Tratam-se de quartos de pensões onde reúnem-se imigrantes ilegais explorados profissionalmente e alvos de racismo – perfis considerados mais vulneráveis para recrutamento. Foram registradas ocorrências desse tipo no Algarve, (sul do país), em Odivelas e na Margem Sul, ambas na região metropolitana de Lisboa.

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Em 2004, por exemplo, o argelino Sofiane Laib foi condenado a três anos e meio de prisão por uso e falsificação de documento de identidade português. Como na maioria das investigações encontradas por Vegar, as suspeitas de terrorismo ou ligação a grupos como a Al Qaeda foram considerados insuficientes para uma condenação.

Entretanto, segundo o jornalista, antes do 11 de Setembro, Laib teria morado com Mohamed Atta – apontado como um dos operadores do atentado às Torres Gêmeas – e outros 29 muçulmanos, em Hamburgo, na Alemanha, muitos dos quais envolvidos na preparação e execução do atentado nos Estados Unidos. Nos dias anteriores à sua detenção em Lisboa, ele fez ligações telefônicas para o Reino Unido, França, Alemanha e Líbano.

Documentos de identidade portugueses também estavam nas mãos de um tunisiano preso em Londres, em 2003, por conspiração terrorista. Ben Yamin Issak, próximo a Laib e Atta, também residiu em Lisboa, e foi preso com outros 25 muçulmanos em uma operação conjunta no Reino Unido. Segundo os investigadores, ele tinha ainda um passaporte falso francês, sementes de rícina – que podem ser usadas como veneno – e planos para um atentado.

Integração entre países dificulta ações terroristas

Uma boa notícia para os portugueses é que a integração bem-sucedida da comunidade muçulmana no país, a maior parte oriunda de países africanos colonizados por Portugal, como Moçambique e Guiné-Bissau, é apontada como fator dificultador de ações terroristas – seja como apoio ou como alvo. “Esse tipo de atividade teria pouco sucesso e correria sério risco de ser facilmente detectada: estranhos com ideias radicais dificilmente passariam despercebidos”, diz Bruno Reis.

O pesquisador aponta que a comunidade muçulmana local colabora com os serviços de informação portugueses. “Apesar das deficiências do sistema anti-terrorista português, essa cooperação é um dos fatores que explicam o porquê de tantas atividades terroristas terem sido detectadas por aqui”, diz.

Também por isso, a investigação recai sobre imigrantes ilegais ou em trânsito. Os suspeitos mais frequentes, segundo Vegar, são os envolvidos em crimes considerados instrumentais (como a já citada falsificação de documentos), os imigrantes pouco integrados e internautas que vão a lan houses participar de chats extremistas.

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Jornal da Paraíba

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