COTIDIANO
"Somente gente do século passado ainda compra CD!"
Publicado em 20/09/2016 às 8:00 | Atualizado em 31/08/2021 às 7:46
Quem me deu as primeiras notícias sobre o compact-disc foi a revista Som Três. Seria uma revolução. Um disquinho impresso digitalmente com capacidade de armazenamento maior do que a dos velhos LPs. Caberia a Nona Sinfonia de Beethoven na íntegra. E acabaria com os ruídos dos discos analógicos.
A primeira pessoa que me falou sobre a sensação de ouvir um CD foi Egberto Gismonti. Ele integrava o cast da gravadora norueguesa ECM e ganhara um player e alguns discos no natal de 1982. Os sons altos são altos demais; os baixos, baixos demais – foi como Gismonti resumiu para mim o que sentira ao ser apresentado ao produto que revolucionaria a indústria fonográfica.
No início, dizíamos “disco laser” quando nos referíamos ao objeto que chegara para tomar o lugar dos nossos LPs. Usávamos esta expressão certamente perplexos com o fato de que as problemáticas agulhas seriam substituídas por um facho de raio laser. Parecia coisa de ficção-científica.
Passou algum tempo até que o chamássemos de CD. Mas logo veio a primeira desilusão: os exemplares de procedência alemã que aportaram no Brasil não resistiam ao nosso clima quente e úmido. Oxidavam rapidamente, um problema que foi resolvido na medida em que a indústria aperfeiçoou a fabricação dos CDs.
Para quem ainda conheceu os 78 rpm e cresceu ouvindo LPs, não era possível dispensar a palavra disco. E estava correto. O nome é compact-disc, por mais que os garotos de hoje estranhem quando a gente diz “disco”, referindo-se a um CD.
Cresci numa casa cheia de música e lembro do momento em que os LPs aposentaram os discos de 78 rotações. Foi uma revolução semelhante à do CD. A limpeza do som, a beleza das capas, o conceito de álbum, conquistas da era do disco analógico de longa duração. Sem falar do som stereo, que chegou mais tarde, dividindo a gravação em dois canais.
A anunciada morte do CD remete a estas lembranças. Os números da indústria fonográfica pioram a cada ano. O disco como conceito – um produto com começo, meio e fim, um certo número de faixas, uma capa, letras e ficha técnica num encarte – interessa cada vez menos aos ouvintes jovens. Eles também consomem música intensamente, mas as canções não precisam depender do desejo do artista e do mercado de oferecê-las numa determinada ordem, vinculadas a um título e a uma ideia.
A música que se ouve nos serviços de streaming prescinde do físico. Extingue o amor táctil ao disco.
Continuo comprando CDs. Na definição de um amigo, sou um homem do século passado. Segundo ele, somente gente do século passado ainda compra CD.
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