VIDA URBANA
Adoção tardia ainda é exceção em orfanatos
Apesar dos exemplos positivos, ainda é grande o preconceito em adotar crianças na chamada 'fase tardia', afirmam pesquisadores.
Publicado em 29/11/2013 às 6:00 | Atualizado em 04/05/2023 às 12:25
“Ela é nossa pérola negra, uma joia rara”. É assim que a professora Lígia Cordeiro descreve a importância de Maria Luísa em sua vida. A menina de 14 anos, que foi adotada por ela aos 7, é dona de uma história de perseverança e muito amor. Portadora da síndrome do Alcoolismo Fetal, decorrente da ingestão de bebidas alcoólicas pela mãe biológica durante a gravidez, Maria Luísa teve o desenvolvimento físico e mental afetados.
Após o falecimento da mãe, a piora do alcoolismo do pai e o sofrimento causado pelo abandono logo nos primeiros anos, a situação parecia irremediável para ela. Foi quando o Conselho Tutelar precisou intervir.
“Ela era aluna de uma escola em Bayeux, onde eu trabalhava e o Conselho veio buscá-la. Eu vi que eles não poderiam fazer isso, já que a menina não teria condições de enfrentar um abrigo”, conta Lígia. “Naquele momento, eu disse: ‘vocês querem que eu fique com ela? Posso dar um lar e tentar oferecer um tratamento’”, conta.
Segundo a professora, a princípio, ela e o marido apenas assinaram um termo de responsabilidade.
“Fui ficando, me apegando e, quando percebi, o amor já tinha vindo a todo vapor”, emociona-se. Ao ver que não iria conseguir se desapegar da menina, Lígia decidiu procurar a Justiça e dar entrada nos papéis para oficializar a adoção.
“Tivemos que nos habilitar no fórum de Bayeux e aguardar todo o processo. O pai biológico participou de tudo e foi favorável, até porque não tinha outra opção. Esses trâmites duraram mais ou menos 1 ano e 3 meses”, confessa.
Hoje, 6 anos depois, a menina é considerada o xodó da família, que ainda conta com os outros três filhos biológicos de Lígia.
“Vejo a Maria Luísa como uma pérola negra porque todos os meus outros filhos são ditos brancos e ela é o destaque aqui em casa”, explica. “É muito interessante essa química e esse amor, só quem passa por isso pode dizer com tanta fidelidade. A gente aprende muito com ela”, acrescenta.
Este é apenas um entre tantos casos bem sucedidos de adoções de crianças mais velhas na Paraíba. Porém, mesmo com exemplos positivos, de acordo com a presidente do Grupo de Estudos e Apoio à Adoção de João Pessoa (Gead-JP), Lenilde Cordeiro, o preconceito ainda é grande em relação à escolha de órfãos que estão na chamada fase de adoção tardia.
“Quanto maior for a idade da criança ou adolescente, menores são as chances de serem aceitos por uma nova família, principalmente, se formarem grupos de irmãos”, lamenta. “É uma questão cultural, pois a adoção, durante séculos, foi vista como uma forma de imitar a filiação biológica, para pessoas que não podem gerar filhos”, complementa.
AMOR PODE MUDAR HISTÓRIAS
Conforme a presidente do Grupo de Estudos e Apoio à Adoção de João Pessoa (Gead-JP), Lenilde Cordeiro, muitos casais que se inscrevem na Vara da Infância e Juventude delineiam perfis excludentes, mas quando se veem diante das crianças ou dos adolescentes, desenvolvem afeto, perdem o medo e decidem adotar.
“O Gead-JP já contribuiu bastante para que várias adoções necessárias acontecessem. A metodologia consiste, principalmente, em promover o encontro entre os pretendentes à adoção e as crianças e adolescentes”, afirma.
“Os encontros podem acontecer em eventos coletivos, promovidos pelo grupo, ou com visitas individuais às instituições de acolhimento”, explica. Foi em um desses encontros que a operadora de máquinas Nancy Bezerra e o marido, conheceram Marcos.
O menino morava em um abrigo e tinha um histórico de dor e abandono: passava fome, dormia nas ruas e era maltratado pela família. “Quando chegamos lá, vimos um menino bastante grandinho, de 10 anos. Eu me apaixonei à primeira vista”, recorda.
“Ele chegou na minha vida e mudou tudo. Mesmo sendo uma criança grande, a mente dele é de alguém que não viveu”, complementa. Nancy, mãe de outros três filhos e avó de seis netos, esperou cerca de dois anos na fila de adoção. Para ela, que inicialmente desejava um bebê, a escolha de Marcos foi acertada.
“É uma experiência motivante e gostosa. O amor que tenho por ele não é de filho adotivo, é de filho biológico mesmo, eu até me emociono”, reconhece, dizendo ainda que gostaria de adotar mais crianças. “Se eu tivesse mais condições, adotaria mais. Eu amo”.
MITOS PARA ATO DEVEM SER EXTINTOS
O juiz da 2ª Vara da Infância e Juventude de João Pessoa, Fabiano Moura de Moura, considera imprescindível o incentivo à adoção de crianças mais velhas e a desmistificação dos estigmas que envolvem este ato.
“É preciso compreender que a adoção para estas crianças, mesmo aquelas que estejam na chamada fase de adoção tardia, tem um significado muito especial”, observa. “É verdade que elas carregam uma história a mais, mas isso não cancela nem diminui a importância e a satisfação da família que resolve acolhê-la”, frisa.
O magistrado ressalta, ainda, que também é bastante possível a adaptação de adolescentes aos lares adotivos. “Não é uma situação tão comum quanto à adoção de crianças até quatro anos, mas temos alguns exemplos de adolescentes de 14, 15 anos que se adaptam muito bem e que têm uma convivência boa com a família”, conclui. (Especial para o JP)
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