VIDA URBANA
Apego a objetos do passado: um paradoxo entre o velho e o novo
Hábito de trazer para a contemporaneidade elementos antigos não é exclusividade de quem tem mais idade.
Publicado em 31/05/2015 às 7:19
Móveis antigos, discos de vinil e um Fusca ano 1977. Quem conhece o fotógrafo Aku Rosenqvist, de 32 anos, percebe logo de cara seu fascínio por objetos do passado. O curioso, porém, é que essa admiração se estende também à vida profissional, uma vez que o finlandês, que mora no Brasil há cinco anos, trabalha exclusivamente com câmeras analógicas, fotografias em preto e branco, além de técnicas de revelação manual, em câmaras escuras e com produtos químicos específicos.
De acordo com ele, mexer com câmeras analógicas é algo que agrega mais valor ao resultado final do trabalho fotográfico. “Todo o processo de criação é diferente. Ter um limite força você a ser mais criativo. Fora isso, tem um look que, em minha opinião, não pode ser replicado na forma digital”, afirmou, citando ainda outro motivo para não ter se rendido às facilidades do formato digital. “Tudo no mundo moderno migrou para o computador e o computador não é um lugar onde eu me sinto criativo”.
Sobre a relação com a tecnologia e os paradoxos que enxerga entre o velho e o novo no presente, Aku revela que não é tão radical quanto parece. Ele comenta que, apesar de gostar do que é vintage, não descarta as praticidades que certas modernidades trazem ao dia a dia. “Eu uso tudo o que você pode imaginar, só não acredito que o mais novo é automaticamente melhor. Não consigo ver minha vida sem meu smartphone, por exemplo. Ando com meu Fusca, mas uso o GPS. Apenas tento utilizar o que é bom no novo e no antigo”, explicou.
A postura de Aku, embora tenha um lado positivo, traz alguns ônus. Por causa da paixão por câmeras analógicas, o profissional, que possui cerca de trinta máquinas de todos os estilos e marcas em casa e no local de trabalho, diz que acumula um estoque de mais ou menos duzentos filmes especiais e difíceis de encontrar no mercado. Ele ainda expõe que importa constantemente outros produtos, como papéis e químicos.
Para continuar com seu trabalho, Aku precisa armazenar produtos difíceis de encontrar no mercado ou comprar em lojas específicas. (Foto: Rizemberg Felipe)
“Estou organizando um clube de revelação para que outros amantes de fotografia também possam ter acesso nesse processo”, observou, ressaltando que não pretende desistir de manter os processos clássicos vivos. “Hoje em dia poucas pessoas querem fotos no papel e os negativos são normalmente digitalizados e depois impressos. Mas mesmo com essas preferências, no geral, eu ainda amplio fotos no quarto escuro com processo tradicional”.
Nostalgia na escrita
Assim com o fotógrafo Aku Rosenqvist, o escritor Luiz Fernandes da Silva, de 64 anos, não abre mão da sensação de nostalgia que certos hábitos oferecem. Entre eles, estão a prática de mandar cartas e de usar a máquina de escrever, companheira de décadas, que inclusive já possibilitou a ele a criação de inúmeras obras literárias e poesias que viajaram o mundo, inspirando outras pessoas.
“Eu já naveguei no computador, mas não tenho paciência. Demora para aparecer, dá trabalho pesquisar. Celular me aborrece também”, admitiu, fazendo questão ainda de mostrar apreço pela troca de correspondências. “Eu ainda me correspondo com o Brasil todo. Antigamente, chegava a receber mais de mil cartas por mês. Hoje em dia, são cerca de cinquenta por semana. Tem dia que minha caixa de Correio fica cheia. E eu nunca rasgo as que recebo, guardo como relíquia, porque acho que vai custar uma nota no futuro”.
Os principais destinatários das cartas de Luiz são escritores de estados como São Paulo, Rio Grande do Sul e Bahia. Com as correspondências, ele frequentemente busca manter vínculos com amigos ou conhecer novos trabalhos. “A maioria dos escritores daqui está tudo na obscuridade. E eu quero saber deles, quero resgatá-los. Eu já me dei bastante com gente como Rachel de Queiroz, Drummond. O mais engraçado é que alguns preferem cartas escritas a punho”.
O escritor Luiz Fernandes da Silva afirma que não pensa em aposentar sua máquina de escrever. (Foto: Leonardo Silva)
Pelo Correio, além de informações e cultura, Luiz já recebeu notícias inusitadas. Uma delas veio de Nova Iorque. “Foi no ano passado. Escreveram dizendo que gostaram das minhas poesias e que elas tinham sido traduzidas para o inglês e estudadas na universidade. Fiquei feliz e impressionado”, recordou, salientando que, em relação ao hábito de mandar cartas, tem noção de que está na contramão, mas que não se importa. “Eu sei que a tendência é que isso seja instinto, mas enquanto puder, vou continuar”.
Sociologia explica apego
No que diz respeito ao fenômeno dos objetos antigos que ainda continuam sendo usados, mesmo apesar de todos os avanços, o sociólogo e professor da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) Antônio Baruty destaca três eixos que merecem ser analisados. O primeiro, conforme ele, é a parcela das pessoas mais velhas, adaptadas a um estilo de vida mais simples, que se mantém firme no uso desses itens por não terem vontade de se arriscar com novas tecnologias.
“Ainda tem a questão econômica. Você percebe isso quando está trabalhando com um grupo com poder aquisitivo alto e vê que a possibilidade de investir em novidades é maior, enquanto o grupo com outro tipo de poder aquisitivo costuma esperar a experiência de outras pessoas para tentar algo novo”, frisou, citando como o último eixo a atual geração, que se encanta com o que é antigo por conta de um suposto desejo de vivenciar algo distante.
“Os mais novos, adeptos desse estilo, querem experimentar o glamour de outro tempo, querem sentir um pouco de como era essa vivência do pai, do avô. É como se abrisse uma bolha no tempo e eles pudessem voltar alguns segundos, alguns momentos para o passado. É uma sensação de curiosidade”, observou o professor.
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