VIDA URBANA
Celebração da páscoa é muito mais que chocolate ou bacalhau
Um dos mais importantes momentos do ano para os cristãos e judeus lembra a passagem da morte, ou cativeiro, para a vida.
Publicado em 05/04/2015 às 14:00 | Atualizado em 16/02/2024 às 10:58
Ovo de chocolate, coelho e a tradicional bacalhoada servida durante o almoço entre famílias. Apesar de alguns terem o costume de resumir a Páscoa apenas por estes elementos, a data, celebrada no primeiro domingo após a lua cheia que ocorre depois do equinócio do outono (no hemisfério sul), carrega muito mais simbologias e histórias do que pode parecer. E isto tanto para aqueles que seguem a religião judaica quanto para os cristãos.
Segundo o historiador e pastor Estevam Fernandes, é preciso lembrar que a Páscoa, cujo significado em hebraico vem de 'passagem', teve origem no judaísmo e foi absorvendo traços de outras culturas com o passar dos séculos. “A Páscoa começou em pleno deserto na noite em que os israelitas – os hebreus – fugiram do Egito sob a direção de Moisés, livrando-se do julgo dos faraós e caminhando para a Terra Prometida (Israel). Por isso que quer dizer 'passagem'”, explicou.
Conforme Estevam, três itens marcaram desde o princípio a festa judaica, conhecida como Pessach: o cordeiro pascal, os pães asmos e as ervas amargas. “Na noite da fuga dos hebreus, das dez pragas que vieram para o Egito, a última fazia referência à morte dos primogênitos de cada família. O que Deus orientou ao povo de Israel, através de Moisés, foi que naquela noite matassem um cordeiro e colocassem o sangue dele em cima das portas para que, quando o anjo passasse, ele visse o sangue e os livrassem da morte”, comentou.
Sobre o pão asmo (assado sem fermento), o pastor afirma que a razão para o produto ser tão sagrado e adorado pelos judeus, principalmente neste período, é o fato de, na noite da retirada dos hebreus do Egito, não ter havido tempo para preparar o alimento devidamente. “O povo tinha pressa e esse pão, que não fermentou, remete a esse cenário de fuga”, sublinhou, fazendo questão de esclarecer também o sentido das ervas amargas.
“As ervas, colocadas pelos pais na mesa dos filhos, serviam para causar repulsa, porque, para eles, da mesma forma que era impossível gostar do amargo da erva, deveria ser impossível gostar de ser escravo. O que eles queriam ensinar é que os mais jovens precisavam sentir aversão à escravidão, aversão àquela situação”, disse.
De acordo com o pesquisador e mestrando em Ciências das Religiões pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB) Alexandre Mendonça, a Páscoa foi assimilada pelos cristãos a partir da Santa Ceia, quando o Jesus Cristo, por ser judeu e comemorar o Pessach, atribuiu novas significações aos elementos da festividade e fez referência à própria morte na ocasião. “A Santa Ceia seria lembrada historicamente por ele pelo pão, que seria seu corpo entregue para pagar os pecados da humanidade, e pelo vinho, que seria o sangue derramado”, ressaltou.
Ao analisar a relevância da data, o especialista traça ainda um paralelo entre a Páscoa judaica e a Santa Ceia que, segundo ele, trazem basicamente as mesmas mensagens. “As duas falam de morte e de libertação. Na Páscoa dos judeus, o sentido é a libertação da morte pelo cordeiro pascal e do povo da escravidão. Para os cristãos, é a libertação da humanidade pela morte de Jesus Cristo”, destacou.
Modernidade 'alterou' sentido da celebração
Em relação às representações comumente associadas à Páscoa cristã que chegaram à contemporaneidade, Alexandre Mendonça admite o forte caráter comercial delas ,mas diz não acreditar que hajam interferências negativas. “O consumismo, que se dá pelo ovo de chocolate, tem relação com os ovos decorados que eram distribuídos há muito tempo, representando a vida. Mas considero que o ato de presentear não impeça o cristão de celebrar a ocasião como deve”, apontou.
Já o pastor Estevam Fernandes diz enxergar com mais desconfiança as ressignificações atuais das festividades. “A Páscoa judaica continua sendo celebrada como era, mas a cultura ocidental, sobretudo a que nós vivemos, não só reinterpretou a Páscoa cristã, como a desfigurou, a desespiritualizou e a secularizou, tal qual fez com o Natal, pela figura de Papai Noel. Coelho não bota ovo, chocolate é doce, não é amargo e acaba engordando, e você vive num simbolismo cruel”, avaliou, a respeito dos altos preços dos produtos.
“O mundo contemporâneo tem seus faraós, assim como no Egito Antigo: as drogas, a violência, os vícios, a injustiça, a miséria e o consumismo. O Deus dessa geração é o dinheiro. Nós temos nosso Egito e precisamos entender que o cordeiro de Deus tira você do Egito e coloca na terra prometida”, sustentou, complementando que “a Páscoa é uma chance de parar, de puxar o freio de mão e pensar 'cadê Jesus na minha vida? Cadê o cordeiro de Deus?' e, além disso, perguntar 'por que ainda deixo os faraós me dominarem?'”, finalizou Estevam.
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