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VIDA URBANA

Cidadania é respeitar o direito do próximo

Atitudes erradas mostram que a população pode estar perdendo noções básicas de convívio

Publicado em 12/03/2015 às 7:57 | Atualizado em 19/02/2024 às 14:00

Atravessar a rua na faixa de pedestre, estacionar o carro em locais indicados exclusivamente para o estacionamento (e não em locais próprios para deficientes ou idosos), reduzir o consumo de água e energia, respeitar a fila de espera no banco mesmo em um dia cheio de preocupações. Essas são algumas das atitudes que, quando tomadas, geram um convívio agradável com os demais. Quando não, no entanto, acabam, de certa forma, fazendo “adoecer” a própria comunidade.

Hoje, o país passa por uma falência de um projeto de educação – perdem-se, dia a dia, noções básicas de cidadania. Embora, a princípio, pareça ser aterrorizante, especialistas advertem: uma contracultura focada em valores como a solidariedade e o respeito ao outro pode fazer com que um novo caminho seja tomado.

Imagine a seguinte situação: em uma pequena cidade do interior, um senhor, com seus 70 anos, acorda, de manhã logo cedo, e começa a lavar sua calçada com uma mangueira, gastando litros e mais litros d'água. Enquanto lava a calçada, fuma seu charuto, como se simplesmente nada mais importasse. É a vida que segue sem grandes preocupações.

Enquanto isso, um vizinho de meia idade passa, no caminho de volta da padaria e, lendo o jornal, vê, entre as notícias do dia, aquela que fala sobre a crise de água pela qual passa o Brasil. Está estampado na primeira página: "Brasil vive crise hídrica sem precedentes". Espantado, lê novamente a manchete. Em seguida, olha boquiaberto para o vizinho. Embora saiba que, se parar, vai acabar se atrasando para o trabalho, ao olhar para aquela cena, não consegue conter sua indignação.

É verdade que em sua cidade a água não está em falta. É verdade, também, que o hábito daquele idoso já vem se repetindo por anos e anos. Todo dia, de manhã logo cedo, ele acorda e, em seguida, começa a lavar sua calçada com uma mangueira, gastando litros e mais litros d'água. É, de fato, a vida que segue sem grandes preocupações.

Vendo a notícia no jornal, no entanto, o vizinho o questiona: "Ei, o que você está fazendo? Você sabia que está gastando a água que poderia servir para outras milhares de pessoas?". O idoso, sem titubear, porém, responde carrancudo: "A água é minha. Eu pago por ela. Eu tenho direito de usar. Ela não vai fazer diferença para ninguém".

A cena, embora à primeira vista pareça ser banal, reflete uma situação preocupante: a perda das noções básicas de cidadania e de convívio com o outro. Não é difícil ver, por todos os cantos, no interior ou nas capitais, pessoas que insistem em lavar suas calçadas com mangueiras. Também não é difícil ver quem fure a fila no banco, quem tranque um carro no estacionamento, quem pare um carro em mão dupla, ou até mesmo quem utilize uma vaga reservada para deficiente ou idoso - mesmo não sendo nem um nem outro.

Agora, voltando à história do idoso, reflita mais um pouco. Embora talvez seja verdade que em sua cidade ainda não há falta d'água, analise o desenrolar da história: gastando a água que 'não está faltando em sua cidade', o idoso gasta a água, também, que poderia servir para aquele outro senhor, do Sertão, que veio para a cidade porque não conseguia mais viver em sua terra, devido à seca. Com mais gente na cidade - é o êxodo rural -, a água da cidade é mais utilizada, provocando, posteriormente, sua falta, até mesmo ali, onde aparentemente 'não iria fazer diferença para ninguém'.

"Vivemos em uma teia. A sociedade é como uma teia de aranha que a todo momento é tecida. Em qualquer parte que você toca, meche no outro", diz o professor, psicólogo e doutor em Educação Dimas Lucena. "Tudo se resume à dimensão da cidadania. Uma cidadania crítica, ativa, reflexiva, que consiga dar destino à dimensão social", aponta. "Quem usa uma vaga reservada para deficientes está mostrando uma profunda deficiência de uma visão social e de uma dimensão humanista. Quem tem qualquer atitude sem pensar no outro, também", complementa.

"Hoje, nós estamos vivendo numa crise, a crise da razão. O problema não é só a falta d'água ou de energia. É necessário pensar que razão é essa, que humanidade é essa que ameaça a própria existência. Aliás, a única espécie que mata o próprio planeta é a nossa. Todos vivem em equilíbrio e harmonia. Nós desequilibramos. Nós nos matamos. Estamos envolvidos enlouquecidamente numa cultura de destruição", reflete.

EDUCAÇÃO PARA A VIDA
Muito se ouve falar sobre os sérios problemas de educação pelos quais passa o país. O fato de mais de meio milhão de estudantes terem zerado a redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), por exemplo, aparece como um sintoma de uma crise educacional. O problema, no entanto, deve ser analisado sob uma ótica que vai além simplesmente do ensinamento das ciências formais. É preciso, também, que as escolas tenham uma contribuição junto à família na formação do estudante enquanto cidadão.

“As escolas e as universidades não podem pensar apenas na formação da ciência pura. É necessário, também, que ela contemple a dimensão das emoções, a educação dos sentimentos. É preciso despertar a sensibilidade das pessoas”, afirma o professor Dimas. Nos primeiros momentos da vida escolar, é necessário não só que a criança seja ensinada a realizar as operações básicas da Matemática, mas também a dividir aquilo que lhe pertence. Um pouco mais à frente, é necessário que o adolescente seja apresentado não só aos conhecimentos complexos da Física e da Química, mas, também, que aprenda a respeitar as diferenças e limitações do outro.

"É necessário ter em mente, também, que apenas a informação não educa. "A informação é um elemento importante na sociedade, sim, mas ela não vai despertar a sensibilidade, a educação, os valores, os princípios. A informação pode ser simplesmente uma letra morta. É necessário transformar a informação em conhecimentos, em saberes", opina.

Algumas escolas, no entanto, já começam a dar sinais de que buscam dar aos alunos uma educação voltada não só para o crescimento intelectual, mas, também, para o seu desenvolvimento como cidadão. É o caso, por exemplo, do Colégio Kairós. Lá, os alunos do Ensino Infantil, por exemplo, não podem levar estojos para a sala de aula. Todo o material escolar como lápis e borracha é compartilhado. "A nossa visão é de que a escola é uma minissociedade. A criança está aqui dentro para viver além dos muros da escola. O que elas vivenciam aqui, elas irão vivenciar também lá fora. E é importante que esses valores, como a solidariedade e o respeito ao outro, sejam levados para a vida da criança", diz a coordenadora pedagógica Lupércia Jeane.

BUSCA POR SOLUÇÕES
Embora a situação seja, à primeira vista, aterrorizante, este pode ser, na verdade, o momento ideal para se pensar em que sociedade se quer construir. Segundo Dimas Lucena, hoje, é preciso retomar algo que é fundamental: o sonho de um mundo melhor. São esses sonhos que fazem parte de uma contracultura que pode mover o mundo para um caminho melhor.

O projeto "Catação" é um desses exemplos que fazem o cidadão acreditar que ainda pode haver esperanças. Reunindo-se todos os domingos, um grupo de cerca de 15 pessoas encontram-se no Busto de Tamandaré, na praia de Tambaú, e percorre cerca de 1,5 km, catando os resíduos que outras pessoas deixam pela praia.
A funcionária pública Sônia Gadioli, uma das idealizadoras, reconhece, no projeto, a possibilidade de fazer uma transformação no mundo. "Eu tenho absoluta certeza de que a gente deixa uma sementinha para um mundo melhor cada vez que nós vamos à praia. A gente sabe que não limpou a praia inteira, mas que colaboramos, fizemos a nossa parte", aponta.

Além de recolher o lixo que fica pela praia, os participantes do projeto também dão explicações aos banhistas sobre o tempo que determinados materiais irão levar para se decompor, assim como leva sacolas de plástico para aqueles que desejam recolher seu próprio lixo. "Queremos mostrar as consequências de se jogar lixo na praia. Só estamos querendo fazer nossa parte", destaca.

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Jornal da Paraíba

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