VIDA URBANA
Crianças começam a beber aos 14 anos
Secretaria Nacional Antidrogas estima que jovens começam a beber com 14 anos
Publicado em 07/04/2013 às 8:00
Foi aos dez anos de idade, numa curiosidade de menino, que Marcelo (nome fictício) conheceu o álcool. Ele estava vendo alguns adultos bebendo e queria experimentar a galinha ao molho pardo que estava sendo servida como “tira-gosto”. “A pessoa se virou para mim e disse: a gente só deixa se você tomar uma lapada”, disse ele, se referindo à dose de aguardente. O garoto aceitou e iniciou ali um longo caminho marcado pela dependência alcoólica.
Apesar da pouca idade, a criança passou a consumir a bebida alcoólica com frequência e entrou na adolescência já totalmente dependente do produto. Teve problemas com namorada, com trabalho e só aceitou buscar ajuda quando foi abandonado pela família. “Com o tempo, todo mundo vai se cansando, e foi o que aconteceu com as pessoas que gostavam de mim. Minha mulher pegou as coisas e foi embora. Fiquei só e percebi que precisava de ajuda”, conta.
Marcelo buscou auxílio no Centro de Atenção Psicossocial (Caps), um serviço criado pelo governo para oferecer ajuda aos dependentes de álcool, cigarro e outras drogas. Há seis meses, o jovem não toma nenhuma gota sequer de bebida alcoólica.
“Quero reconstruir minha vida, mas a é luta diária. Não devo frequentar festas, baladas e nem ambientes que tenham bebida, porque sempre há o risco da recaída”, observa.
Apesar de preocupante, histórias iguais as de Marcelo estão se tornando comuns no Brasil. Estudos sobre o tema revelam que os jovens estão se envolvendo com as bebidas cada vez mais cedo. Segundo uma pesquisa feita pela Secretaria Nacional Antidrogas, os adolescentes começam a beber, em média, aos 14 anos de idade. Ou seja, quase três anos antes da média encontrada na década de 2000.
A mudança representa um risco para a saúde, porque as doenças se agravam com a intensidade em que são consumidos as doses. Ainda de acordo com a Secretaria Nacional Antidrogas, 9% das pessoas que deram os primeiros goles aos 14 anos de idade passaram à categoria de dependentes quando chegaram na fase adulta.
O estudo ainda faz um comparativo com situações semelhantes ocorridas em países de primeiro mundo, como Estados Unidos, e constata que, nesta localidade, o índice de adolescentes que ingerem álcool aos 14 anos e que, depois, se tornam dependentes, é de apenas 1%.
De acordo com outra pesquisa feita pela Organização das Nações Unidas (ONU), que analisou a situação do alcoolismo nos países da América Latina, o Brasil aparece em terceiro lugar no consumo de álcool entre os adolescentes.
A pesquisa foi feita com estudantes do ensino médio e incluiu 347.771 alunos com idades de 14 a 17 anos, que moravam no Brasil, na Argentina, na Bolívia, no Chile, no Equador, no Peru, no Uruguai, na Colômbia e no Paraguai. Entre os brasileiros, 48% dos entrevistados admitiram já ter consumido álcool alguma vez na vida.
Para o psicólogo Frederico Almeida, essas estatísticas são motivo de preocupação. Ele faz parte da equipe do Caps e, há 20 anos, presta assistência a dependentes químicos. O especialista explica que não é fácil se libertar do alcoolismo.
“Atendemos, em média, 80 pessoas por semana, que chegam aqui buscando ajuda para se livrar de diversos tipos de drogas, mas a maioria deseja mesmo é sair do alcoolismo. É um tratamento longo, delicado e que precisa, acima de tudo, de muita força de vontade”, relata.
No Caps, os pacientes são analisados por equipe multidisciplinar, composta por médicos, psicólogos, assistentes sociais e educadores físicos. Os dependentes participam de terapias em grupo, mas também fazem sessões individuais. As salas onde ocorrem as atividades ainda são preenchidas por pessoas que já passaram dos 30 anos de vida.
Mas o psicólogo Frederico Almeida observa que está aumentando também a presença de jovens, que chegam em busca de socorro contra o álcool. “Até a década de 80, a gente percebia que o maioria das pessoas que buscavam tratamento tinham entre 40 a 45 anos. Agora, já encontramos dependentes com 28, 30 anos, o que comprova que a bebida está fazendo vítimas cada vez mais novas”, lamenta.
“Acredito que isso se deve muito em função da mídia, que expõe a bebida sempre como algo ligado ao prazer e diversão, e também mesmo à influência dos amigos e até dos parentes. Em nossos encontros de grupo, é comum ouvirmos histórias de que a pessoa aprendeu a beber com os pais”, completa.
A coordenadora do Caps Estadual, Marileide Martins, explica que o serviço busca curar a origem dos problemas. “Muitos usuários chegam com depressão, com transtornos mentais e que precisam ser tratados. A dependência acaba cobrindo esses problemas ainda maiores. Primeiro tratamos essas patologias, para depois curar a dependência”, detalha.
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