VIDA URBANA
Crianças e adolescentes não querem proteção
No caso de Mateus, a maior ameaça, em sua opinião, era aquela vivida dentro de casa. Sua mãe apanhava do seu pai, mas nunca o denunciou.
Publicado em 27/09/2015 às 8:10
Viver sob ameaça é a única opção de muitas crianças e adolescentes da cidade de Bayeux. Conforme um levantamento dos Conselhos Tutelares do município, das aproximadamente 28 crianças e adolescentes ameaçados da cidade, apenas oito são protegidos pelos programas de proteção de ameaçados de morte. “Mas isso não é porque o programa não funciona. Isso acontece porque essas crianças e adolescentes não querem ser protegidos. E nós, como Ministério Público, ficamos de mãos atadas”, lamentou a promotora Fabiana Lobo.
No caso de Mateus, a maior ameaça, em sua opinião, era aquela vivida dentro de casa. Sua mãe apanhava do seu pai, mas nunca o denunciou. Em contrapartida, a mãe não conseguiu ver seu filho nas mãos do tráfico de drogas e, por ir atrás dele todas as vezes, passou a também ser ameaçada. Mateus não quis proteção para si e, mesmo prestes a ser encaminhado para outro Estado, decidiu dizer que não se sentia ameaçado.
Para Fabiana Lobo, essa é uma situação paradoxal, pois legalmente as crianças e os adolescentes não têm vontade nem poder para decidir, contudo, para ser protegido pelo principal programa de proteção do Estado, o Programa de Proteção às Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte (PPCAM), elas precisam se voluntariar. “Só pode ser protegido quem quer ser protegido. Nem o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) prevê medidas de proteção obrigatória”, afirmou.
Para terem seus filhos longe daquele mundo, que os ameaça e, muito provavelmente, os levará à morte, muitas mães afirmam preferir seus filhos detidos por algum ato infracional. Segundo Fabiana Lobo, esse discurso é recorrente entre as mães que procuram a sua Promotoria. “Mães e famílias dizem que preferiam que suas crianças fossem pegas por atos infracionais dizendo que esse seria um alívio. Elas dizem que quando eles 'caem' (termo usado para quando as crianças ou adolescentes são detidos por atos infracionais) obrigatoriamente eles estarão longe daquele mundo”, disse.
A promotora revelou que, desde que assumiu a Promotoria, quatro meses atrás, nenhum caso que chegou às suas mãos se transformou em proteção de fato. Todas as crianças, que ela não soube contabilizar no momento da entrevista à reportagem, desistiram, não revelaram se sentir ameaçadas ou não aceitaram se sujeitar aos requisitos do PPCAM para serem efetivamente protegidas.
Comentários