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VIDA URBANA

Desafio de morar no caminhão

 De problemas mecânicos nos veículos aos assaltos nas BRs: essas são algumas das dificuldades enfrentadas pelos caminhoneiros

Publicado em 07/12/2014 às 8:00

“Não se pode fazer nada sem o auxílio de Deus”. A frase, exposta no para-choque de um caminhão estacionado num posto da BR-101 localizado em João Pessoa, mostra o peso da fé na rotina dos caminhoneiros, os personagens da última matéria da série 'Nômades'. E não é para menos. Durante as viagens, ao percorrer as estradas do país, eles enfrentam inúmeras dificuldades, como vias mal conservadas, problemas mecânicos nos veículos e assaltos, além da saudade da família, que costuma ser grande, uma vez que os profissionais chegam a ficar até um mês longe de casa.

Com quase 30 anos de atividade, Antônio Santana, de 66 anos, é um deles. Casado, pai de dois filhos e avô de duas netas, ele costuma levar em média 10 dias transportando produtos diversos para cidades do Nordeste como Salvador (BA). Apesar de estar aposentado, o caminhoneiro declara que optou por continuar trabalhando para complementar a renda e porque tem medo de adoecer por ficar em casa parado. Fora isso, ele, que junto do irmão, seguiu a carreira do pai, também afirma ser apaixonado pelo que faz e diz buscar constantemente maneiras de driblar a distância dos entes queridos.

“Eu fico em contato com a minha esposa umas cinco ou seis vezes por dia no telefone e falo com minhas netinhas. É como se estivéssemos juntos e é por isso que eu continuo viajando, porque senão já teria parado. Acho que a invenção do celular foi uma das melhores coisas, porque antigamente era difícil. Lembro que eu viajava e não tinha notícia do que estava acontecendo. Quando eu saía, por exemplo, e voltava, sentia que meu filho já estava até mais crescido”, lembra.

Em relação ao sono, Santana comenta que tem uma rotina normal, indo dormir sempre às 22h e acordando às 5h da manhã para prosseguir com as viagens. A cama dele é uma rede montada na boleia do caminhão. De acordo com ele, os anos de experiência trouxeram a sabedoria de não usar medicamentos nem substâncias, como anfetaminas e energéticos, para permanecer acordado – prática comum entre os colegas e que frequentemente é associada a acidentes. O caminhoneiro ainda explica que procura parar para descansar somente em lugares confiáveis, com bastante movimentação, pois tem medo de roubos e outros imprevistos com o caminhão.

E quando o veículo quebra no meio da estrada? “Já aconteceu. Ultimamente, o rastreador do caminhão que dirijo não tem recebido comando. Já chegou ao ponto de eu ser bloqueado no meio do caminho. E tive que abandonar tudo e procurar socorro, já que meu celular não tinha sinal e eu não conseguia encontrar o contato para ligar e explicar o que havia ocorrido”, relata, frisando que encara com naturalidade os contratempos.

“É preciso tomar uma atitude rápida, não dá para ficar ali parado sem fazer nada. Depois que resolvo e dá certo, volto para o caminhão de carona, tranquilamente”, finaliza.

Chance de repensar a vida

Um acidente. O que para certas pessoas pode significar algo triste e desagradável, para Josenildo Nascimento, de 34 anos, representou uma chance de repensar a vida. Ele, que há 20 anos trabalha como caminhoneiro, transportando itens como copos descartáveis e salgadinhos, teve o veículo fechado por uma carreta em junho e acabou batendo. Ninguém ficou ferido, mas os estragos no caminhão foram grandes. O profissional precisou ficar 4 meses parado, esperando o seguro do outro motorista pagar os reparos.

“Isso aconteceu na saída de João Pessoa, na cidade de Bayeux. Meu carro ficou acabado e só depois do conserto é que pude voltar para a estrada. Graças a Deus, não tive nada. Mas deixei de ganhar dinheiro e precisei pedir ajuda a minha família. Eles entenderam o que aconteceu e deram uma força”, conta, complementando que o fato serviu para que ele decidisse sair da rotina arriscada nas rodovias e planejasse um futuro mais tranquilo ao lado da esposa e das filhas Maria Beatriz, de 10 anos, e Elisa Rebeca, de 2. “Faço tudo por elas e só estou nesta profissão por causa delas”.

De volta ao trabalho há pouco menos de um mês, Nascimento revela também que pretende desistir das longas viagens por elas o afastarem de casa por muitas semanas e o impedirem de conviver com as meninas. “Daqui a alguns dias, quero sair dessa vida. Vou comprar um caminhão menor e ficar aqui dentro da cidade para toda noite poder estar em casa. Acho importante você ver o crescimento dos seus filhos. O crescimento da minha mais velha, eu não vi. Quando me dei conta, ela já estava maior do que eu. Agora, com a mais nova, estou evitando rodar muito para fora. Só vou para lugares próximos, como Recife, Natal, mas mesmo desse jeito quero parar”, confidência.

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Jornal da Paraíba

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