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VIDA URBANA

Enquanto esperam pelos futuros pais, crianças ficam em lares de acolhimento

Todas as crianças que ali chegam têm, em sua história, as mesmas marcas: em algum momento, seus direitos foram violados.

Publicado em 15/11/2015 às 7:00

"A gente tá decidindo vidas. Isso é algo muito delicado. Não pode ser da noite para o dia" -, afirma Ariadne Bezerra, coordenadora da unidade de acolhimento Lar da Criança Jesus de Nazaré. Lá, hoje, são abrigadas 22 crianças, todas matriculadas em creches ou escolas e, além disso, frequentam aulas extra classe, de esportes e de informática. Para dar conta delas, no entanto, são mais de 20 funcionários, entre auxiliares de serviços gerais, cozinheiras, motoristas, assistentes sociais, psicólogos e educadores.

Todas as crianças que ali chegam têm, em sua história, as mesmas marcas: em algum momento, seus direitos foram violados por suas próprias famílias. Na maioria dos casos, conta Ariadne, os pais são dependentes químicos: o crack, como em tantos outros estados brasileiros, acabou por destruir suas vidas - e, de quebra, também a dos seus filhos, que deixam de encontrar em casa a paz e o sossego que merecem.

O primeiro passo, no entanto, que é dado, quando as crianças chegam à casa de acolhimento (muitas vezes por meio do Conselho Tutelar), é uma tentativa de reintegrar essa criança à sua família de origem. Somente quando se esgotam todas as possibilidades eles são inseridos no Cadastro Nacional de Adoção.

"Nós tentamos fortalecer esses vínculos. A cada seis meses, existem as audiências concentradas nas casas de acolhimento, quando são reavaliados os casos. Nós inserimos às famílias nos benefícios básicos de assistência, como o Bolsa Família, por exemplo, e encaminhamos os que são dependentes químicos para serviços de apoio - tentamos convencê-los a deixar o crack para poder ter seu lar de volta. A maioria que os seus filhos. É raro encontrar aquele que não queira. Só que tem aqueles que querem e realmente conseguem, e tem aqueles que dizem que querem mas entra ano, sai ano, e a história não se resolve. Eles não se determinam", conta a coordenadora.

Nesses casos, então, quando todas as chances já foram dadas, é que a Justiça decide fazer a destituição do poder familiar e as crianças são colocadas para adoção - elas poderão, então, ter o direito novamente a ter uma família. O grande problema, no entanto, é a corrida contra o tempo: ao mesmo tempo em que o processo de tentativas de reintegrar a criança à sua família de origem pode ser longo, as crianças vão envelhecendo e, com isso, diferem cada vez mais do perfil colocado na maioria das vezes pelos pretendentes: quanto mais novas as crianças, mais chances têm de serem adotadas. Por isso, Ariadne repete: "A gente á decidindo vidas. Isso é algo muito delicado".

Não há dúvidas.


Muitas criaças se recusam a serem adotadas porque esperam que a mãe biológica os 'queira' de volta. (Foto: Rizemberg Felipe)

Fora isso, há uma grande dificuldade em encontrar casais que aceitem adotar grupos de irmãos - e, em grande parte das vezes, as crianças que ali se encontram são irmãos. Já houve casos, por exemplo, de um grupo de nove irmãos. O mais inusitado nesse caso, no entanto, não é a quantidade de crianças, mas, sim o fato delas simplesmente não quererem ser adotadas.

Acontece que o vínculo com a mãe é tão forte que ainda esperam que a mãe os "queira" de volta. E não é que ela não queira: ela simplesmente não consegue se desvincular do crack. E, quando não, esperam que os irmãos conquistem a independência, atinjam os 18 anos, aluguem uma casa e coloquem a mãe e todos os irmãos para voltarem a morar juntos.

- Você quer ser adotada? - pergunto
- Não. - responde, uma das crianças.
- Mas por que? Você não quer uma família, alguém para cuidar de você, te dar carinho?
- Eu já tenho minha mãe.
- E o que você quer ser quando crescer?
- Não sei ainda - afirma, sem me dar muita atenção.
- Mas tem alguma coisa que você goste muito? Algo que você queira bastante?
- Tem sim! Uma bicicleta.

(Silêncio)

Segundos depois, com um sorriso entre os lábios, complementa:
- E minha mãe.

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Jornal da Paraíba

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