VIDA URBANA
Estudantes desprezam áreas básicas da medicina e pode faltar pediatra na PB
Por melhores salários, estudantes preferem áreas como cirurgia geral e anestesiologia.
Publicado em 08/05/2011 às 11:30
Valéria Sinésio
Do Jornal da Paraíba
Seguindo a tendência do que acontece no restante do país, os estudantes de medicina da Paraíba procuram as especialidades mais rentáveis financeiramente. Bom para o bolso dos futuros médicos, ruim para a sociedade que precisa de pediatra, ginecologista e clínico geral. De acordo com Tereza Helena Tavares, diretora interina do Centro de Ciências Médicas (CCM) da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), a falta de interesse por algumas especialidades tem aumentado nos últimos anos e já reflete nas clínicas e hospitais da Paraíba.
A preferência dos estudantes tem sido pela chamada ‘medicina intervencionista’, que inclui os procedimentos (tanto cirúrgicos como exames complementares). A procura é maior pela cirurgia geral e anestesiologia. O desinteresse por algumas áreas acontece porque os profissionais não são valorizados. Segundo Tereza Helena, médicos de especialidades sem intervenção recebem apenas o valor da consulta – e nada mais. E se o paciente tiver plano de saúde, uma consulta que custa R$ 100,00 cai para R$ 30,00 ou R$ 40,00, o que gera ainda mais desinteresse.
A reclamação parece ser geral: um cirurgião precisa ter, no mínimo, cinco empregos para conseguir sustentar a família ‘sem apertos’, ou seja, garantindo a feira, as contas de casa, a mensalidade do colégio ou da faculdade dos filhos, os gastos com transporte, as refeições fora de casa etc.
Os pediatras estão fechando as clínicas porque não conseguem mantê-las e médicos de outras especialidades também reclamam da baixa remuneração e das condições de trabalho. Anualmente, 100 novos médicos se formam na UFPB, mas muitos deixam a Paraíba em busca de melhores salários em outros estados.
Segundo o médico Arlindo Monteiro, chefe do Departamento de Cirurgia do Hospital Universitário Lauro Wanderley da UFPB, “há a ilusão de que o médico é rico e vive bem, mas muitos ostentam uma aparência enganosa, induzindo a sociedade à uma percepção errada”.
De acordo com Monteiro, a maioria dos profissionais do setor vive com menos de R$ 5 mil mensais. Segundo ele, a saída para o médico que mora na Paraíba é: estar vinculado ao sistema público de saúde (em prefeituras ou no Estado) ou trabalhar em consultórios com grande carga tributária e custo crescente. “Será que compensa receber R$ 40 e pagar R$ 2 mil pelo custo de manutenção?”, questiona.
A situação se agrava com o retorno, que pode ser feito quantas vezes o paciente precisar no prazo de 30 dias. “O paciente pode voltar uma, cinco, dez vezes, mas o médico só recebe por uma consulta”, declarou Tereza Helena. No final das contas, para médicos como pediatras e clínico geral, por exemplo, o valor torna-se irrisório. Manter uma clínica nessas condições, segundo os médico, é inviável. “Não é só o amor pela profissão, o médico também precisa de dinheiro”, comenta a diretora. “Sem contar que o médico não pode tirar férias e não goza de nenhum direito trabalhista básico”, acrescenta.
“Um pediatra, por exemplo, tem de ficar com o telefone ligado 24 horas por dia para atender possível solicitação dos pais”, afirma. “Um pediatra é exaustivamente solicitado pelos pais da criança”. São fatores como esses que aumentam o desinteresse dos estudantes de medicina que querem distância de especializações que enfrentam a crise de mercado.
De acordo com a Sociedade Brasileira de Pediatria, em 1999, 1.583 formandos optaram pela pediatria; em 2010, o número caiu para 961. Em grau sutilmente menor, a ginecologia e obstetrícia e a terapia intensiva também começam a sentir essa crise.
A UFPB oferece residência médica em nove especialidades: anestesiologia, cirurgia geral, clínica médica, gastroenterologia, infectologia, medicina de família e comunidade, medicina intensiva, obstetrícia e ginecologia, oftalmologia, pediatria e psiquiatria. A abertura de faculdades particulares de medicina no Estado não foi suficiente para minimizar o problema da falta de médicos.
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