VIDA URBANA
Grupos de ala urso levam arte e cultura a crianças e jovens
Trabalho desenvolvido pelos grupos mantem tradições, estimula a prática de esporte e tem ação social junto a crianças e adolescentes.
Publicado em 11/01/2015 às 9:30 | Atualizado em 29/02/2024 às 10:35
Os irmãos Wesley Kallew e Kauã Keven de Lima, de 13 e 11 anos, mantêm a rotina de ir a escola todos os dias, como é comum para crianças e adolescentes na idade deles. Porém, as noites das quintas-feiras e tardes de sábado têm sido diferentes para os meninos e outros 50 jovens do bairro do Rangel, em João Pessoa. Desde o último mês de setembro, o ponto de encontro é a praça da Amizade, principal espaço de lazer do bairro, e o som que se houve, na mistura de encenações de circo e teatro, é a batucada.
Nesses dois dias da semana, os garotos e os demais integrantes do projeto 'O Som dos Brincantes' se unem para os ensaios da ala ursa 'Urso Amigo Batucada'. Campeão entre os vencedores do 'Carnaval Tradição' de 2014, a equipe surgiu em 2009 e a proposta foi além dos desfiles e participação em festivais de ala ursas. Desde que foi criado, os objetivos de levar arte e cultura para crianças e jovens de comunidades no Rangel faz jus ao nome da agremiação.
“Dentro do projeto 'O Som dos Brincantes' nós criamos o 'Urso Amigo Batucada' justamente para ampliar essa ação social, na qual nós oferecemos oficinas de arte, percussão, circo e teatro. Quem participa aprende de tudo um pouco e leva para a vida os valores da cultura popular”, explicou o arte educador e um dos responsáveis pela ala ursa, Dau Zapata. Ele lembra que com as quantias que recebem por apresentações realizadas ao longo do ano são transformadas na 'Bolsa Urso' e empregadas para a compra de material escolar dos jovens do grupo.
Wesley e Kauã, que conheceram o grupo a convite de amigos da escola, compreendem a importância das atividades realizadas no projeto e confessam que é divertido aprender a arte reproduzida através do som da batucada. “Ficar aqui com meus amigos é muito bom e distrai a mente. É melhor do que a gente ficar em casa ou na rua sem fazer nada”, lembra Kauã.
Fabiano do Nascimento, de 15 anos, interpreta um dos quatro 'Ursos Amigos' da equipe e assim como os garotos, ele conheceu o trabalho do projeto durante uma apresentação na escola e através de amigos.
Com a euforia típica de adolescente, ele encara o peso e desconforto da fantasia do urso com bom humor e revela que é divertido estar na pele do personagem principal que anima os participantes e arranca sorrisos do público. “Depois que eu entrei no grupo fiz muitos amigos daqui do bairro e até de outros lugares da cidade. O pessoal é muito divertido e todo mundo brinca”, comenta o jovem.
Grupo vai além da questão cultural e ensina valores para a vida
No bairro vizinho (Cristo), Antonio da Silva faz da casa onde mora e de um trecho da rua Júlio Ribeiro espaços para a 'preparação' do 'Urso Canibal'. As semelhanças com o grupo do Rangel estão nos dias de ensaio e também na proposta social. Agregando mais de 60 pessoas, sendo a maioria formada por crianças e adolescentes, Antonio estende os laços familiares e o afeto que tem para com um dos filhos e sobrinho, que participam da agremiação, aos demais integrantes da equipe.
Ele conta que as atividades do grupo não se restringem somente aos ensaios. Assim como o 'Amigo Batucada', o amigo 'Canibal' ensina cultura, esporte e valores para a vida. “A gente tenta evitar que os jovens entrem na droga e sigam o mau caminho. Aqui eles participam de tudo, montam os instrumentos, as fantasias. E também aprendem a se comportar, a ir bem na escola, porque aqui tem que estudar senão, não alcança nada na vida”, declarou Antonio da Silva.
Trabalho de Arte Educação ajuda no desempenho escolar
O arte educador e um dos responsáveis pelo 'Urso Amigo Batucada', Dau Zapata não aceita notas abaixo da média no boletim das crianças e adolescentes participantes do grupo e para continuar na ala ursa, os jovens levam o sentimento de determinação empregada nos batuques e movimentos para a sala de aula.
Esse 'pré-requisito' do bom desempenho escolar cobrado pelo professor e atendido pelos jovens integrantes da ala ursa funciona como um complemento para o processo de aprendizagem das crianças e adolescentes. Para a professora e pesquisadora em Arte Educação da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Norma Maria de Lima, atividades envolvendo arte realizadas em conjunto com o ensino básico incentivam a sensibilidade para a cultura e trabalha as emoções das crianças e adolescentes. Segundo ela, esses estímulos são pouco valorizado na fase escolar.
“A arte em si é uma das atividades mais ricas para o processo formativo humano e a gente vê as escolas trabalhando muito mais com a racionalidade. Para trabalhar a sensibilidade não existe nada melhor do que a arte e se a escola começa a fazer esse trabalho ou o aluno tem acesso a grupos de cultura como esses, teremos um ser humano formado como um todo”, explicou.
Grupos têm representatividade na cultura popular
De origem cigana e um dos grupos mais expressivos da cultura popular na Paraíba, as alaursas se destacam no carnaval tradição, do qual participam desde 2010. Os grupos estão servindo de estímulo para grupos de estados vizinhos, como Pernambuco, que estavam esquecidos e proibidos de participar da 'Festa de Momo'.
É com empolgação de quem conhece e fundou a Associação das Ala Ursas de João Pessoa que Emílson Ribeiro fala das atividades desenvolvidas pelos grupos, que através da cultura e arte educação tentam mudar o destino de jovens em situação vulnerável em diversas comunidades da cidade.
“A ala ursa é o que temos de mais popular no nosso carnaval e como eles têm esse trabalho social isso motiva mais a comunidade e os jovens a participar dos grupos e frequentar atividades voltadas para a cultura e educação. Desde que eles começaram a desfilar no 'Carnaval Tradição', têm arrastado mais gente do que as escolas de samba”, destacou Emílson Ribeiro, que também é diretor de cultura popular da Fundação Cultural de João Pessoa (Funjope).
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