VIDA URBANA
'João e o Pé de Bombons'
Na história do garoto de 11 anos de Campina Grande, fome e o sonho de comprar um celular.
Publicado em 29/06/2014 às 15:00 | Atualizado em 02/02/2024 às 17:24
Em uma terra tão, tão distante, o menino João precisou vender o único bem da família, uma vaca de estimação, para conseguir dinheiro e não passar fome. Mas o jovem ficou encantado com os feijões mágicos que transformariam sua vida e o deixariam rico. Para tanto, ele teria que enfrentar um gigante, dono de uma fortuna imensurável, mas a coragem do menino foi determinante para um final feliz. Na história de "João e o Pé de Bombons”, a troca do dinheiro das esmolas por bombons que depois são vendidos, não traz riqueza, apenas o saciamento da fome, que aqui também é inevitável. O gigante aqui é uma sociedade que vira as costas para seu sofrimento e que não compartilha a fortuna que tem em suas mãos.
João chega na feira e começa a procurar um comprador para a vaca de estimação, mas o local também é um pequeno mundo de tentações, das quais ele só pode olhar. Algumas tentações são produtos imprescindíveis para muitos, como a comida.
Na conhecida “Rodoviária Velha” de Campina Grande, o João, também é tentado pelas barraquinhas de pastéis, churros, doces, entre outros, mas era simplesmente na barraquinha de frutas e verduras que ele parou o olhar, em busca de uma chance de ganhar uma pera ou maçã. Embora ele estivesse ali, ao lado dos consumidores e do dono da barraquinha, parecia estar invisível. Ninguém ajudava João. Ninguém lhe oferecia uma fruta.
João desistiu de esperar, afinal mais vantajoso seria pedir dinheiro, quem sabe não conseguiria naquele dia a quantidade necessária para comprar uma caixinha com bombons, que depois ele venderia em vários pontos da cidade. Parte do dinheiro iria para sua mãe, que segundo ele, apesar de não admitir filho seu na rua, recebia sem hesitar. Foi assim que comecei a nossa conversa, depois que ofereci comida e João me seguir sem perder tempo. Nesse momento percebi como uma criança como ele, que passa dia e noite nas ruas, sem ter hora para voltar para casa, era frágil e como seria fácil enganá-la se caísse em mãos erradas.
Para ele, o lanche foi divertido e um prazer que ainda não tinha sentido naquela manhã, pois apesar de ser às 10h, ele ainda não tinha comido nada. Durante a conversa, descobri que ele não estava estudando e que aos 11 anos não sabia ler, nem escrever. “Eu parei por enquanto, mas quero voltar a estudar. Eu prefiro vir para a rua do que ficar em casa, assim eu consigo algum dinheiro para comprar alguma coisa pra mim também”, contou. Sozinho na rua, ele narra os perigos que já tinha enfrentado, de adolescentes que tentaram roubar o dinheiro que conseguiu, de amigos que se viciaram em tíner e que praticamente o obrigaram a usar e apesar de tudo, ele ainda continuava ileso.
No dia seguinte, João ainda estava com a mesma roupa esfarrapada e na companhia de dois amigos pesquisava o preço dos celulares na feirinha que se formou no antigo Cine Capitólio. João tinha encontrado o “ouro” que tanto queria e quando me viu, mostrou a nota de R$ 50. “Como é que você conseguiu esse dinheiro?”, perguntei. E ele: “Eu não falei, tia, que conseguia arranjar dinheiro para comprar os bombons?”. “Mas tanto dinheiro assim? Você vendeu muitos bombons?”. E ele, sem maiores repostas disse: “Ah. Eu só queria comprar um celular como todo mundo”, finalizou.
'BRANQUINHA DE NEVE E OS OITO IRMÃOS'
Em um mundo de fantasias, Branca de Neve é caçada por sua madrasta que não deseja outra coisa a não ser sua morte. A madrasta usa diversos artifícios, até que com uma maçã consegue envenenar a princesa. Na vida real, um veneno mais lento e não menos doloroso é oferecido a uma adolescente de 11 anos, que precisa ir com a mãe, e não madrasta, para as ruas de Campina Grande, em busca de esmolas.
A mãe, que se chama Ana Paula, de 37 anos, sofreu abusos na infância e adolescência, deu o apelido de “Branquinha” à filha e companheira, cuja beleza é usada para atrair pessoas que se compadecem com a pobreza da família.
Sentadas na calçada de um estabelecimento da Rua Venâncio Neiva, uma das mais movimentadas do Centro de Campina Grande, a mãe, a filha e os dois irmãos menores, o mais novo com pouco mais de 1 ano de idade, a família esperava por uma atitude generosa de quem passava por ela. Mas na pressa do dia a dia, quase ninguém reparava ou se solidarizava com as quatro pessoas que se encolhiam em um canto da calçada.
“A gente não está aqui pedindo, mas quem quiser nos ajudar eu vou aceitar porque trabalho está difícil de encontrar e aqui têm pessoas que nos conhecem, nos dão almoço, pão, que também sobra para levar para casa”, disse a mãe.
Para ela, levar os filhos para a rua não representa nenhum mal, “pior seria se eu deixasse eles sozinhos, como vejo muita criança por aqui, que acaba usando droga e se prostituindo”, frisou. Enquanto ela falava, Branquinha permanecia calada, com os olhos baixos e praticamente imóvel.
A mãe explicou que não tem condições de sustentar os nove filhos e que precisa da ajuda de terceiros para que a família tenha pouco, mas que não falte o que comer. “A vida é difícil para o pobre. Eu sofri com uma tia que me espancava e aos 14 anos eu fugi de casa. Fui trabalhar na casa de família, onde era obrigada a trabalhar de dia e de noite. Escapei de muitos perigos, mas hoje estou aqui”, lembrou.
Nesse momento Branquinha olhou para a mãe e parecia entender o que ela tentava mostrar. Mesmo estando longe da escola, sem lazer e ora com comida e ora sem nada para comer, ela não se sentia uma invisível, pelo menos não para sua mãe. Estar ao lado dela, mendigando nas ruas do Centro, talvez não fosse um veneno que corroía aos poucos, mas uma forma de viver ou pelo menos, sobreviver. Talvez viver assim não fosse maligno, mas ela também sabia que para ter um futuro melhor, teria que escapar da “proteção” da sua mãe, teria que se levantar da calçada e correr atrás de um tempo que ainda não está perdido e em uma única frase ela disse. “Eu quero estudar, fazer alguma coisa. No meu coração o que eu sei é que não quero mais ficar aqui”, disse ela quando me olhou nos olhos.
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