VIDA URBANA
Kay France comemora 30 anos da travessia que entrou para história
Canal da Mancha separa a Inglaterra do continente europeu e hoje pode ser atravessado pelo ar, em barcos e até por baixo da terra.
Publicado em 24/05/2009 às 11:39
Renato Félix
O Canal da Mancha separa a Inglaterra do continente europeu e hoje, pode ser atravessado pelo ar, em barcos e até por baixo da terra. Mesmo assim, inúmeras pessoas já se aventuraram a cruzá-lo a nado. Não foram poucos os atletas experientes que tiveram problemas com a água gelada e as correntes marítimas dos 33 quilômetros que separam Dover, na Grã-Bretanha, de Calais, na França – o ponto mais próximo entre os dois lados. Poucas foram as crianças que tentaram e conseguiram – e a primeira foi a paraibana Kay France, aos 11 anos de idade, travessia que completa 30 anos em agosto.
E pensar que três anos antes ela nem sabia nadar. Foi quando leu uma reportagem na revista Realidade que falava sobre a travessia. “A matéria dizia que nunca uma mulher latino-americana tinha atravessado o canal”, conta ela, hoje médica e morando na cidade de Piancó.
“Mas não pensei em fazer a travessia: não sabia nadar e nem meu pai tinha dinheiro para ser sócio de clube”. Mas o pai, o ex-pugilista José Sales Pontes, a colocou na natação e passou a correr com ela na praia.
A primeira das muitas manchetes de Kay foi esta do Notícias Populares, jornal sensacionalista de São Paulo, que contava – do jeito deles – a história da menina paraibana que se perdeu no mar, durante o carnaval. Com seis meses de natação, ela já fazia travessias longas enquanto o pai a observava da areia. Um dia, saiu da ponta do Cabo Branco e... “Quando percebi, estava distante e quase não via a terra”, lembra. “Anoiteceu e nadei instintivamente para a direita. Quando vi uma luzes, pensei: ‘É um barco ou uma casa’. E nadei em direção a ela”.
Era uma casa, onde hoje é o bairro do Poço, em Cabedelo. O dono era um médico, que já tinha ouvido sobre o desaparecimento no rádio – e, anos depois, viria a ser professor de Kay na faculdade de Medicina. “Isso chamou a atenção da imprensa nacional”, recorda ela.
Quando foi procurada pela revista Veja, Kay disse que só falaria se a repórter conseguisse para ela o endereço de Abílio Couto, até então o único brasileiro a realizar a façanha – e duas vezes, em 1958 e 1959 (e a segunda delas, fazendo ida e volta). Ela começou a trocar correspondências com ele, que morava em São Paulo. Ao perceber o talento da garota, veio conferir pessoalmente – e ficou impressionado. “Você vai ter que atravessar Mancha ou beber o canal inteiro, até ficar seco”, disse, em um dos telegramas enviados a Kay.
Não foi fácil. “Era complicado dizer para alguém que aquilo passava pela minha cabeça”, diz. Quando revelou seu objetivo a Sales, ele não viu outra opção: a levou a um psiquiatra. “Na escola, minhas colegas achavam que eu queria aparecer”, lembra. Mas ela conseguiu convencer os pais e mudou-se para São Paulo para intensificar os treinamentos.
A Gazeta, 17 de setembro de 1977. Numa coletiva após mais um teste, Kay havia surpreendido todos os jornalistas ao romper com Abílio Couto. O ponto da discórdia: ela queria ir já no ano seguinte tentar a travessia e o ex-nadador preferia esperar mais. “Eu acho que ele não quer que eu vá agora, porque tem uma proposta de uma firma de São Paulo que patrocinaria o meu treinamento no ano que vem e ele receberia um pagamento por isto”, disse à Folha da Tarde, de 14 de setembro.
Na mesma entrevista, ela mostrava que iria em frente. “Agora é muito tarde para desistir”, afirmou à Folha da Tarde. “Eu preciso dar uma satisfação àquelas pessoas que acreditaram em mim, à imprensa e ao ministro da Educação, Nei Braga, que liberou 100 mil cruzeiros”. O pai assumiu a coordenação dos treinamentos.
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